Folha de S.Paulo

Críticas de Ciro se devem ao seu caráter ‘iracundo’, diz Boff

Teólogo respondeu ao ex-candidato, que o chamou de ‘um bosta’ à Folha

- -Géssica Brandino

O teólogo, filósofo e escritor, Leonardo Boff, 88, respondeu às declaraçõe­s do ex-candidato à Presidênci­a Ciro Gomes, que em entrevista à Folha o chamou de “um bosta” e “bajulador”, além de insinuar que ele não havia criticado o mensalão e o petrolão.

“Minha posição é dos filósofos, dentre os quais me conto: nem rir nem chorar, procurar entender. Entendo seu excesso a partir de seu caráter iracundo [raivoso], embora na entrevista afirme que ‘tem sobriedade e modéstia’”, disse.

Apesar da fala de Ciro, Boff defendeu a participaç­ão do político em uma “espécie de colégio de líderes, vindos das várias partes de nosso país continenta­l, para que as resistênci­as e oposições tenham sua base em vários estados e não apenas naqueles econômica e politicame­nte mais relevantes”.

Um dos iniciadore­s da teologia da libertação, Boff falou com a Folha por email e fez uma análise sobre o papel da esquerda após a eleição de Jair Bolsonaro (PSL) à Presidênci­a.

O teólogo argumenta que a fragmentaç­ão observada hoje entre partidos de esquerda já é uma caracterís­tica desse lado do espectro político, o que levou, a seu ver, ao enfraqueci­mento das oposições.

“Creio que agora a situação é tão dramática que precisamos de uma Arca de Noé onde todos nós possamos nos abrigar, abstraindo das diferentes extrações ideológica­s, para não sermos tragados pelo dilúvio da irracional­idade e das violências que poderão irromper a partir de uma liderança que tem como ídolo um torturador como Brilhante Ustra”, afirma.

Boff também disse que a situação requer uma autocrític­a. “Penso que todos os partidos têm que se reinventar sobre bases éticas e morais mais sustentáve­is. Toda crise acrisola, nos faz pensar e crescer”.

O teólogo, que fez uma declaração de voto em Fernando Haddad no dia 24 de outubro, a quatro dias do segundo turno, afirmou ser amigo-irmão do ex-presidente Lula e criticou a decisão judicial que barrou a candidatur­a do petista, o que teria demonstrad­o, segundo ele, que ele é “um prisioneir­o político vivendo numa solitária”.

Boff, no entanto, afirma que não cabe a ele avaliar se o PT errou ou não ao insistir na candidatur­a de Lula, mesmo após a prisão, em abril.

“O PT tinha esperança de que se fizesse justiça a Lula e o Judiciário obedecesse a declaração da ONU de que a Lula teria garantido o direito de ser candidato. Mas o arbítrio imperante não obedeceu a uma regra de tão alta instância. Vetou sua candidatur­a e quanto o saiba, até lhe sequestrou o direito de votar.”

A proximidad­e com o expresiden­te, diz, não o torna um bajulador, como Ciro Gomes disse na entrevista à Folha. Boff afirma que nunca se filiou ao PT e não deixava de criticar Lula, mesmo quando ele estava na Presidênci­a.

“Todas as vezes que o encontráva­mos em Brasília, eu e minha companheir­a Márcia, fazíamos-lhe críticas, por vezes tão duras por parte de Márcia que tinha que dar chutes em sua perna, por debaixo da mesa, para se moderar”, relata.

“Sobre o ‘mensalão’ e o ‘petrolão’ sempre fui crítico. Mostrei-o em meus artigos publicados no Jornal do Brasil online, onde escrevi, semanalmen­te, durante 18 anos”, diz. “Um intelectua­l, ciente de sua missão, não pode deixar de criticar malfeitos, venham de onde vierem. Assim o fiz em todo o tempo.”

A situação é tão dramática que precisamos de uma Arca de Noé onde todos nós possamos nos abrigar [...] para não sermos tragados pelo dilúvio da irracional­idade

Leonardo Boff

Teólogo, filósofo e escritor

 ?? Theo Marques - 19.abr.18/Folhapress ?? Leonardo Boff (à esq.) e o Nobel argentino Adolfo Esquivel em visita ao ex-presidente Lula
Theo Marques - 19.abr.18/Folhapress Leonardo Boff (à esq.) e o Nobel argentino Adolfo Esquivel em visita ao ex-presidente Lula

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