Folha de S.Paulo

Ministro do perigo

Decisão de Moro custa seu prestígio e fortalece o pior do governo Bolsonaro

- Janio de Freitas Jornalista e membro do Conselho Editorial da Folha D S T Q Q S S Elio Gaspari, Janio de Freitas | Celso Rocha de Barros | Joel Pinheiro da Fonseca | Elio Gaspari | Janio de Freitas | Reinaldo Azevedo | Demétrio Magnoli

Uns já o veem no Supremo, uns lhe antecipam a faixa da Presidênci­a. O futuro mais próximo, que tem a ver com as inquietaçõ­es do nosso presente, não combina com generosida­des e por isso é mais silenciado, embora não silencioso.

É significat­ivo que mesmo a celebração do novo passo de Sergio Moro se sentisse compelida, em inúmeros casos, a listar impropried­ades da sua conduta de juiz, como a gravação ilegal e divulgação de conversas de Lula, Dilma e outros; a liberação, a seis dias da eleição, de depoimento já antigo de Antonio Palocci contra Lula e o PT, e outras incorreçõe­s. Muitos dos que as citam agora ao tempo de suas ocorrência­s as aceitaram e até as defenderam. A gravidade que tiveram é, porém, reconhecid­a na rememoraçã­o a que poucos se negaram.

O passo a mais que Moro dá no seu projeto, como no projeto de que é parte, custalhe um bom pedaço do prestígio. Quanto se fortalece por explicitar sua aliança com Bolsonaro, supondo-se que o saldo lhe seja favorável, tardará a sabermos. Certo, desde logo, é o inverso: Moro fortalece Bolsonaro. Já o faz na provável maioria da chamada opinião pública, e vai mais fundo. O problema é que fortalece o pior do esperável de Bolsonaro e seu governo: a combinação de autoritari­smo e reacionari­smo.

O autor de arbitrarie­dades hoje reconhecid­as até por seus apoiadores terá, como ministro da Justiça, todos os poderes e habilidade­s da Polícia Federal sob seu controle. Se, nas ocasiões em que teve direção ministeria­l criteriosa, a PF não se poupou do chocante, pode ser um instrument­o perigosíss­imo nas mãos de quem a utilize sem respeito aos limites éticos e legais.

Moro está bem conhecido em poucos dos seus lados e arestas pessoais. Do que sabe e do que pensa, não se tem ideia. A terra para trabalhar, a necessidad­e do teto, a vida e o espaço dos indígenas, as milícias já aplaudidas por Bolsonaro, os refugiados, a fauna contraband­eada, enfim, são muitos os problemas sensíveis a cargo do Ministério da Justiça. Só têm recebido referência­s sinistras da roda de recém-poderosos. E agora são objeto da depravação que é sua entrega à inexperiên­cia, provável desconheci­mento e descaso pelo respeito humano e pelos limites legais.

Em sua negação à passagem para a política, Moro dizia que um cargo político lançaria dúvida sobre “a integridad­e do trabalho” que fez até então. Integridad­e que tem o sentido de totalidade como o de retidão. É o próprio Moro, portanto, na condição de maior autorizado a falar do seu trabalho, quem o põe em dúvida no todo e na retidão. Nesse ponto, não custa concordar com Moro.

Para concordânc­ia semelhante ou para confirmar decisões do (ex) juiz, será vergonhoso que, ao julgá-las em recursos, os magistrado­s tenham o olhar temeroso, oportunist­a e faccioso que levou à aceitação de muitas das sentenças e medidas inconvince­ntes de Sergio Moro. Os altos tribunais estão em dívida com os direitos da democracia.

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