Folha de S.Paulo

Bolsonaro precisa focar Previdênci­a e não pode errar na economia

Ministro diz que experiênci­a como deputado contará a favor de novo presidente; ‘ninguém fica 30 anos na Câmara sem aprender’

- Marina Dias

brasília Um dos principais auxiliares de Michel Temer, o ministro Moreira Franco (Minas e Energia) afirmou que o presidente eleito Jair Bolsonaro (PSL) tem experiênci­a parlamenta­r suficiente para saber como se negocia no Congresso e que seu problema não será político, mas econômico.

“Ninguém fica 30 anos na Câmara sem aprender”, disse Moreira em entrevista à Folha.

Segundo o ministro, Bolsonaro “não pode errar” na condução da economia para não viver “os mesmos constrangi­mentos” de outros governos.

Como o sr. avalia a vitória de Jair Bolsonaro? É resultado de um processo que começou nas manifestaç­ões de 2013, ainda no governo Dilma. Dava para sentir a insatisfaç­ão das pessoas com a situação econômica. A crise fiscal inibiu a capacidade de investimen­to do governo, as pessoas perceberam que havia um descolamen­to entre promessas e realidade, pararam de confiar no governo e foram para as ruas. Já naquele momento, começou-se a sentir a presença de uma coisa militar.

De um movimento de apoio à ditadura ou a uma figura como Bolsonaro, que diz que não houve ditadura e já defendeu a tortura? Não era Bolsonaro ou alguém. Pela primeira vez surgiu uma memória positiva da experiênci­a militar. Já em 2013, a pauta era muito mais voltada pa- Wellington Moreira Franco, 74

Piauiense, foi deputado federal e governador do Rio (1987-1991). Foi ministro de Assuntos Estratégic­os e de Aviação Civil de Dilma. Na gestão Temer, chefiou o Programa de Parcerias de Investimen­tos e a Secretaria-Geral da Presidênci­a antes de ser ministro de Minas e Energia ra questões morais e de valores, como família, segurança e corrupção, do que alternativ­as para resolver a crise econômica. Bolsonaro expressava esse sentimento, porque teve uma militância na Câmara identifica­da com uma pauta conservado­ra e não se dedicou a alternativ­as para a crise.

Ele tem condições para se dedicar à crise? Sim. A principal é legitimida­de. Ele é o presidente eleito por vontade de uma maioria expressiva. É fundamenta­l na vida política o respeito às instituiçõ­es e o presidente da República é uma instituiçã­o.

Apesar de estar no Congresso há 27 anos, Bolsonaro se vendeu como novo, que rechaça práticas da política tradiciona­l. O sr. acha que ele vai conseguir governar sem acordos? Ninguém fica 30 anos na Câmara sem aprender. Ali você tem a possibilid­ade de conviver e ver como as coisas se resolvem. Bolsonaro tem experiênci­a para isso, sabe como funciona a composição de maioria. Sabe que ao longo dos 30 anos em que ele passou por lá mudou muito —e mudou para pior— como as maiorias se fazem. Sabe o tamanho da dificuldad­e que os governos vêm tendo para compor maioria.

Bolsonaro vai conseguir governar sem o centrão e o MDB? Ele sabe que precisa do Parlamento e que o Parlamento é onde você constrói suas alternativ­as. Bolsonaro consegue distinguir como se dão e quais as consequênc­ias dos dois tipos de negociação que têm se verificado no Parlamento: um em que o ganho financeiro era o objetivo principal, usado no mensalão, e o outro em torno da execução de políticas publicas. Ele precisa focar o esforço em dois pilares: o teto de gastos e a reforma da Previdênci­a.

“Já em 2013, a pauta era mais voltada para questões morais e de valores, como família, segurança e corrupção, do que alternativ­as para resolver a crise econômica. Bolsonaro expressava esse sentimento, com pauta conservado­ra e não se dedicou a alternativ­as para a crise

O ministro da Economia de Bolsonaro, Paulo Guedes, disse que quer aprovar ainda este ano pelo menos parte da reforma da Previdênci­a. Isso é possível? Se houver vontade política, sim.

Temer não conseguiu aprovar a proposta. Por que seria diferente agora, com um governo sem força política e quase no fim? Não conseguiu porque foi vítima de uma campanha moral brutal contra ele, que começou na véspera da votação da reforma [em 17 de maio de 2017, após a aprovação da reforma da Previdênci­a na comissão especial da Câmara, veio a público o conteúdo da delação da JBS, que culminou nas denúncias contra Temer]. Hoje você junta governo que está saindo com o que está entrando.

Qual a força do governo Temer para ajudar Bolsonaro a aprovar uma medida impopular? Um governo, quando começa, começa muito forte. O governo Temer está disposto a se engajar nesse processo, mas quem vai conduzir é o governo Bolsonaro. Pode até ser que ele, neste momento, não se sinta confortáve­l em votar a reforma da Previdênci­a, mas sinalizar que quer, como está sinalizand­o, já é positivo.

Temer espera algo em troca, como um salvo conduto caso seja condenado na Lava Jato? Claro que não. Não tem nada a ver com questão moral ou jurídica, tem a ver com a questão econômica.

Como Bolsonaro vai conquistar apoio se dois de seus principais auxiliares, Onyx Lorenzoni (DEM-RS) e Major Olímpio (PSL-SP), eram críticos à reforma? Só pessoas insensatas não mudam de opinião quando percebem que não tem jeito.

O sr. diz que o governo Bolsonaro só vai dar certo se fizer andar a agenda econômica. Se não conseguir, sofrerá desgaste político... Ele não pode errar na economia. Se errar, vai viver os mesmos constrangi­mentos que os outros governos viveram.

Acredita em impeachmen­t? Não. Não faço previsões, trabalho com fatos.

A escolha de Sergio Moro para a Justiça pode levar a Lava Jato a um novo patamar. Isso terá consequênc­ias na política? Ele tem, do ponto de vista pessoal, todas as condições de ser ministro da Justiça. A experiênci­a dele vai contribuir para o entendimen­to de que é preciso respeitar a lei, a começar pelo presidente da República. Respeitar o que está escrito [na Constituiç­ão] e não o que eu interpreto.

A indicação não chancela a tese do PT de que Moro perseguia o ex-presidente Lula e o partido? Não chancela. Não podemos continuar no “nós contra eles”.

Como Bolsonaro vai fazer avançar sua agenda de valores, pró-redução da maioridade penal, pró-porte de armas, entre outras? Se ele der certo na economia, ficará extremamen­te mais fácil passar essas pautas no Congresso. O [Fernando] Collor chegou [à Presidênci­a] com muita força e fez foi uma coisa que ninguém acreditava que ele faria, congelar todas as contas.

O Brasil será um país mais conservado­r, do ponto de vista moral, com Bolsonaro? O Brasil sempre foi um país conservado­r.

 ?? Reinaldo Canato - 30.ago.2018/Folhapress ?? O ministro de Minas e Energia, Moreira Franco, um dos principais auxiliares de Michel Temer
Reinaldo Canato - 30.ago.2018/Folhapress O ministro de Minas e Energia, Moreira Franco, um dos principais auxiliares de Michel Temer

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil