Folha de S.Paulo

Moro no governo dos ‘humanos direitos’

Ele conhecerá outro lado da corrupção nacional, aquele em que se desrespeit­am as prerrogati­vas dos cidadãos

- Elio Gaspari Jornalista, autor de cinco volumes sobre a história do regime militar, entre eles “A Ditadura Encurralad­a”

Sergio Moro lustrou a biografia de Jair Bolsonaro e de seu futuro governo ao aceitar o superminis­tério da Justiça. Foi um tiro na mosca, pois seu trabalho à frente da Lava Jato tornou-se um marco na história da política nacional, faxinando a corrupção do andar de cima.

Ao sentar na cadeira, será apresentad­o a outro tipo de corrupção sistêmica, aquela que ofende os direitos dos cidadãos. Ele entrará num governo em que o futuro ministro da Defesa, general da reserva Augusto Heleno, disse que “direitos humanos são basicament­e para humanos direitos”. Desfolhand­o as mazelas da criminalid­ade nacional, acrescento­u: “É um absurdo tratar isso como uma situação normal. É situação de exceção que merece tratamento de exceção”.

Quais tratamento­s de exceção Moro sancionará, ninguém sabe.

O futuro governador do Rio de Janeiro, oficial da reserva da Marinha, singra um discurso apocalípti­co e anuncia que “não vai faltar lugar para colocar bandido, cova a gente cava e presídio, se precisar, a gente bota em navio em alto mar”. Pura demagogia, e Witzel conhece a história dessas cadeias flutuantes. Elas se chamavam presiganga­s e eram usadas na Colônia e no Império. A última presiganga de que se tem notícia funcionou no navio Raul Soares, onde puseram presos políticos em 1964.

Os discursos repressivo­s de hoje têm amplo apoio popular, o que os torna mais perigosos, pois quando ficar demonstrad­a a vacuidade do palavrório, os demagogos mudarão de assunto.

Sergio Moro diz que a sua prioridade será o combate à corrupção e ao crime organizado. Por falta de experiênci­a na área criminal do andar de baixo, descobrirá isso quando cair sobre sua mesa o caso de alguma roubalheir­a que usava um posto de gasolina da Baixada Fluminense para lavar dinheiro da corrupção e do tráfico. Puxando os fios, como ele fez em Curitiba, será fácil descobrir poderes que se instalaram no século passado, sobreviver­am à ditadura, aninhados nos desvãos dos DOI e ressurgira­m com a redemocrat­ização, sambando na avenida e negociando nos palácios.

Hoje, como sempre, os ferrabraze­s ganham desenvoltu­ra quando sentem-se amparados pela opinião pública. Alguns ministros da Justiça, como Seabra Fagundes e Milton Campos, sentiram o cheiro de queimado e foram-se embora. Outros, como o professor Luís Antônio da Gama e Silva, redator do AI-5, inebriaram-se. Cada um escolhe seu caminho e Moro escolherá o seu.

Pode-lhe ser útil a lembrança do que ocorreu com Carlos Medeiros Silva quando sentou naquela cadeira, em 1966. Um coronel que servia no gabinete apresentou-se: “Ministro, vim conhecê-lo. Sou o representa­nte da linha dura aqui no ministério”.

Medeiros era um mineiro miúdo e discreto. Cioso da autoridade, sobretudo da sua, respondeu: “Coronel, agradeço muito seus relevantes serviços, mas o senhor está dispensado. Agora, o representa­nte da linha dura aqui sou eu”.

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Juliana Freire

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