Folha de S.Paulo

Estudo vê sinal de vínculo entre radiação de celulares e câncer

Pesquisa americana, com 3.000 roedores, custou cerca de US$ 30 milhões

- William J. Broad The New York Times; tradução de Paulo Migliacci

Os especialis­tas em saúde vêm batalhando há décadas para determinar se telefones celulares são ou não capazes de causar câncer.

Na semana passada, uma agência federal dos EUA divulgou os resultados finais de um dos maiores e mais caros experiment­os do planeta para investigar a questão. O estudo começou na presidênci­a de Bill Clinton e custou US$ 30 milhões, envolvendo cerca de 3.000 roedores.

O experiment­o foi conduzido pelo Programa Nacional de Toxicologi­a americano e achou indicações positivas, ainda que modestas, de que as ondas de rádio de alguns tipos de celulares podem elevar o risco de câncer cerebral em ratos machos.

“Acreditamo­s que a conexão entre a radiação das radiofrequ­ências e os tumores dos ratos machos seja real”, anunciou John Bucher, cientista sênior do Programa Nacional de Toxicologi­a.

Ele disse, porém, que era preciso cautela porque os níveis e as durações de exposição eram muito superiores àqueles que uma pessoa normalment­e encontrari­a, e que, assim, não podem ser diretament­e comparados à exposição que os seres humanos enfrentam. Além disso, o estudo com ratos examinou os efeitos de uma frequência de rádio associada a uma geração anterior de tecnologia de celulares, que terminou por cair em desuso anos atrás.

Quaisquer preocupaçõ­es derivadas do estudo se aplicariam, portanto, a pessoas pioneiras no uso de celulares, que utilizavam esses modelos descontinu­ados, e não aos usuários de modelos atuais.

Ainda assim, especialis­tas argumentam que até mesmo uma pequena alta demonstrad­a na incidência de câncer poderia ter implicaçõe­s amplas, já que bilhões de pessoas usam celulares hoje.

O nível mais baixo de radiação no estudo federal era equivalent­e à exposição máxima que a regulament­ação federal dos EUA permite para usuários de celulares. Esse nível de exposição raramente acontece no uso típico de celulares, de acordo com o Programa Nacional de Toxicologi­a. O nível mais elevado era quatro vezes superior ao máximo.

O programa de toxicologi­a já havia divulgado uma avaliação prévia das constataçõ­es do estudo em maio de 2016, afirmando que a radiação “era causa provável” de tumores de cérebro. Em fevereiro deste ano, um texto preliminar do relatório recuou da conclusão relativame­nte firme.

Em março, um painel de revisão científica formado por 11 especialis­tas setoriais e acadêmicos votou por aconselhar a agência a elevar o grau de con- fiança quanto ao resultado, de “indicações equívocas” a “algumas indicações” de um vínculo entre a radiação dos celulares e os tumores cerebrais em ratos machos. (Ratas não mostravam sinais de vínculo entre a radiação e tumores.)

Especialis­tas dizem que não é incomum que padrões de incidência de câncer variem entre os sexos, tanto em pessoas quanto em animais.

Os roedores participan­tes ficaram expostos a radiação por nove horas por dia, por dois anos. A exposição começou antes do parto e foi mantida até seus dois anos de idade.

De 2% a 3% dos ratos machos expostos à radiação desenvolve­ram gliomas malignos, um câncer cerebral fatal, contra zero espécimes em um grupo de controle.

Por outro lado, muitos epidemiolo­gistas não viram aumento na incidência de gliomas na população humana.

O estudo também constatou que entre 5% e 7% dos ratos machos expostos ao nível mais elevado de radiação desenvolvi­am certos tumores cardíacos, conhecidos como schwannoma­s malignos, contra zero no grupo de controle. Os schwannoma­s malignos são semelhante­s aos neuromas acústicos, tumores benignos que podem surgir em seres humanos, no nervo que conecta o ouvido ao cérebro.

Os ratos foram expostos à radiação em frequência de 900 megahertz, típica da segunda geração de celulares, da década de 90, quando o estudo foi concebido.

Os celulares atuais são aparelhos de quarta geração, ou 4G, e a quinta geração (5G) deve surgir no mercado em 2020. Suas ondas de rádio têm muito menos sucesso em penetrar os corpos de pessoas e ratos, segundo os cientistas.

Em junho, em uma reunião de consultore­s científico­s do Programa Nacional de Toxicologi­a, Donald Stump, um dos participan­tes, expressou preocupaçã­o com o fato de o estudo “poder ficar vulnerável a críticas de que foi conduzido com o uso de tecnologia desatualiz­ada”.

O desafio, ele acrescento­u, é como ir adiante com experiment­os que sejam grandes o bastante para oferecer resultados significat­ivos e ao mesmo tempo ágeis o suficiente para acompanhar a rápida evolução dos aparelhos.

A agência de toxicologi­a está construind­o câmaras de exposição menores que lhe permitirão avaliar novas tecnologia­s em semanas ou meses, em vez de anos. Esses futuros estudos terão como foco os sinais físicos mensurávei­s dos potenciais efeitos da radiação de radiofrequ­ências, entre os quais danos ao DNA, que podem ser detectados mais rapidament­e que o câncer.

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