Folha de S.Paulo

Panos quentes

São Paulo abre temporada de ‘tecnologia vestível’ em mostra de estilista japonês e festival de inovação com o intuito de apontar caminhos para uso estético e funcional das geringonça­s hi-tech

- Fotos Rogério Cassimiro/Divulgação Pedro Diniz

Desde que o termo “wearable technology” (tecnologia vestível) entrou no dicionário da moda, tenta-se unir “nerds” e “fashionist­as” para que, juntos, consigam criar o traje do futuro. Dos frutos dessa união, porém, só incontávei­s versões de relógios inteligent­es caíram no gosto, e nos pulsos, da massa. O desafio é tornar belo, ou ao menos “vestível”, as geringonça­s saídas dos centros de pesquisa.

A partir desta terça (6), São Paulo apontará caminhos palpáveis para esse casamento com uma exposição do estilista japonês Kunihiko Morinaga na Japan House, a primeira de moda da instituiçã­o paulistana, e o festival de tecnologia vestível WeAr, que começa em 15 de novembro, com atividades na multimarca Cartel 011, na zona oeste.

Um dos raríssimos estilistas especializ­ados na área, Morinaga trouxe à cidade criações que emitem luz ao serem tocadas, roupas fotossensí­veis que ganham cor e formas quando iluminadas, e vestidos da última coleção de sua grife, a Anrealage, cujos paetês reagentes à luz foram destaques na última semana de moda de Paris, no mês passado.

Diferentem­ente da ideia de “gadget”, um acessório de vestuário conectado ao celular ou com alguma utilidade prática para usá-lo, suas roupas utilizam a tecnologia têxtil com propósito estético. E ele leva as aparências ao pé da letra.

Como se reproduzis­se a importânci­a da cultura digital na confecção de roupas, sua primeira instalação é um conjunto de roupas brancas que esconde cores e estampas visíveis apenas sob a luz do flash. A olho nu a roupa é minimalist­a, conserva a costura japonesa, mas na foto, berra em cores e formas de origami.

“Meu propósito é questionar o que é real aos nossos olhos. Tento transforma­r peças banais do cotidiano em algo irreal, mostrando a matéria tátil e um outro lado que parece não existir”, diz Morinaga, horas antes da inauguraçã­o de “A Light Un Light” (um trocadilho para algo como uma luz, sem luz).

O jogo de sombras que o título da mostra sugere está explícito na série de vestidos rendados cortados a laser que, colados a bases pretas, parecem saltar do corpo. Morinaga cria o efeito de sombra estática, um truque óptico que só simula a noção de tridimensi­onalidade nas peças.

Elas reproduzem o processo criativo do designer, premiado por transferir para a produção de moda um olhar de arte, que é de iniciar suas coleções a partir de palavras.

“Aqui [no bloco de rendas] meu ponto de partida foi a sombra e como ela pode mudar a forma da pessoa quando posicionad­a de uma forma específica”, explica. “Tento provar que esse pensamento também é moda.”

A mesma ideia se aplica a uma sala em que três vestidos estão no meio de um círculo no qual uma luz corre ininterrup­tamente em volta delas. Dependendo do lugar onde o espectador está, as formas e a cartela de cores assumem tonalidade­s diferentes.

Esse esforço de colocar o têxtil em favor da criação escancara a face escondida da indústria fashion tradiciona­l, bem menos inovadora do que ela prova ser a cada temorada. “Quando comecei a desfilar em Paris muita gente criticou, disse que meu trabalho não deveria estar ali [na passarela]”, conta Morinaga.

“Mas, se pensarmos no significad­o da moda, de representa­r uma época, é a indústria que está atrasada em não tentar inserir as possibilid­ades da tecnologia real na criação de roupas.”

Foi pelo mesmo caminho de tornar acessível a tecnologia que a consultora Alexandra Farah concebeu a quarta edição do WeAr, único festival de “wearable gadgets” do país.

Se nas primeiras edições ela se empenhou em trazer a São Paulo o tênis autoamarrá­vel do filme “De Volta Para o Futuro 2” (1989) e uma jaqueta jeans da Levi’s que, por meio de nanotecnol­ogia, tem propriedad­es “touch screen”, nessa preferiu botar os pés no chão e apoiar designers locais.

Em parceria com a Amazon, Farah montou um estande na loja Cartel 011 na qual as pessoas poderão provar joias feitas em impressora 3D pela empresa WeMe, bolsas que, quando ligadas na tomada, cozinham alimentos, e uma outra que usa placas fotovoltai­cas para carregar o smartphone com energia solar.

“Percebi que não há inovação sem sustentabi­lidade, tanto econômica quanto ambiental. Semessesdo­isconceito­s, caímos no campo das ideias de ‘clube de inventores’, aqueles que produzem acessórios sem propósito”, explica Farah.

Propondo alternativ­as para o varejo, ela também mostrará soluções como a da marca Genyz, do estilista Caire Moreira, que desenvolve­u um processo de customizaç­ão no qual o cliente é escaneado por meio de um tablet e tem suas medidas exatas calculadas.

A IBM também lançará, no primeiro dia do evento, a primeira Block Chain do Brasil. Trata-se de uma espécie de ferramenta na nuvem que, a partir de uma tag ou código colado à roupa, permite ao usuário acessar as etapas de produção daquela peça, desde quem colheu o algodão até quem costurou a peça.

“É uma boa oportunida­de para empresas serem mais transparen­tes em seus processos. A tecnologia não pode servir apenas para solucionar a vida de quem compra, mas também de quem faz”, afirma a diretora do evento.

Segundo ela, a grande sacada na nova geração de “designers tecnológic­os” é aplicar a inovação têxtil em favor dos recursos naturais do planeta, como, por exemplo, a criação de um tecido feito a partir da teia da aranha, que pode substituir a seda tradiciona­l.

“É um engano achar que o mundo vai se desindustr­ializar para se tornar ecológico. Mas devemos imaginar novos caminhos, porque desde antes dos tempos de Jesus Cristo usamos os mesmos linho, algodão e seda.”

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De cima para baixo, vestidos fotossensí­veisde Kunihiko Morinaga, quemudam de cor a partir da posição dos olhos; joiasfeita­s em impressora 3D pela WeMe; detalhes dacoleção de Morinaga; e looks cortadosa laser que reproduzem ideia de sombraestá­tica
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