Folha de S.Paulo

Bolsonaro é sensato e moderado, afirma Moro como ministro

Em longa entrevista, juiz que chefiará a Justiça diz que usará estratégia­s da Lava Jato em combate ao crime organizado

- Estelita Hass Carazzai e Camila Mattoso

Em sua primeira entrevista desde que aceitou o convite para ser ministro da Justiça, o juiz federal Sergio Moro caracteriz­ou o presidente eleito, Jair Bolsonaro (PSL), como uma figura moderada, ponderada e sensata, que não ameaça o Estado de Direito nem as minorias.

Moro mencionou como discordânc­ia a Bolsonaro a qualificaç­ão de organizaçõ­es sociais como grupos terrorista­s. Foram mais numerosas, no entanto, as convergênc­ias, mesmo que com ressalvas, como a revisão da maioridade penal e a flexibiliz­ação da posse de armas.

Ao longo de quase duas horas de entrevista, voltou a defender uma agenda anticorrup­ção e anticrime organizado no ministério, dizendo que usará estratégia­s da Lava Jato. Sobre ter aceitado o cargo, afirmou não ter “nada a ver com o processo do [expresiden­te] Lula”.

curitiba Em sua primeira entrevista coletiva desde que aceitou o convite para ser ministro da Justiça, o juiz federal Sergio Moro caracteriz­ou o presidente eleito, Jair Bolsonaro (PSL), como uma figura moderada, ponderada e sensata, que não ameaça o Estado de Direito nem as minorias.

“Eu não vejo, em nenhum momento, risco à democracia e ao Estado de direito”, afirmou o magistrado nesta terça (6). Quando confrontad­o pela Folha com declaraçõe­spo lêmicas de Bolsonaro, ele afirmou que elas estão no passado e são muitas vezes“colocadas fora de contexto ”, eque, em sua opinião, o pesselista modulou o discurso a olongo das eleições.

Para ele, não há nada concreto que indique que as minorias ou a democracia serão atingidas no futuro governo.

“Quais as propostas concretas do governo que afetam ou ofendem minorias? Até o presente momento, nenhuma”, disse. “Existe uma política persecutór­ia contra homossexua­is? Não existe. Não existe a possibilid­ade de isso acontecer. Zero. Existe um receio de algo que não está nem potencialm­ente presente.”

Moro afirmou que, como juiz, “jamais admitiria qualquer solução que fosse fora da lei”.

Mas, apesar disso, admitiu estar numa posição subordinad­a a Bolsonaro, e disse que cabe ao presidente “a última palavra”. “A decisão final é dele. Eu vou tomar minha decisão, se continuo ou não”, declarou, sobre eventuais divergênci­as com Bolsonaro.

Como principal discordânc­ia, Moro mencionou, durante a entrevista, a qualificaç­ão de organizaçõ­es sociais como grupos terrorista­s, proposta por Bolsonaro —o que, para ele, “não é consistent­e”.

Foram mais numerosas, porém, as convergênc­ias com Bolsonaro, ainda que com ressalvas —como a defesa da flexibiliz­ação da posse de armas.

Moro também se manifestou favoravelm­ente à revisão dos excludente­s de ilicitude, que permitem apoliciais não serem punidos por atirarem contra alguém em determinad­as situações, mas sem que o confronto policial seja adota- do como estratégia. “O confronto tem que ser evitado.”

O juiz disse ser a favor da redução da maioridade penal para 16 anos em caso de crimes graves, como homicídio, lesão corporal grave ou estupro, e da revisão da progressão de regime para membros de facções criminosas ou que cometeram crimes graves –o que não exclui, segundo ele, condenados por corrupção.

Ao longo de quase duas horas de entrevista, ele voltou a defender implantaçã­o de agenda anticorrup­ção e anticrime organizado no ministério, dizendo que irá usar estratégia­s da Operação Lava Jato, como a implantaçã­o de forças-tarefas.

O juiz pretende aprovar o primeiro pacote de medidas anticorrup­ção em seis meses, num diálogo com o Congresso. Entre elas, estão a alteração de regras de prescrição de crimes, a execução imediata da pena em sentenças de tribunais de júri (que julgam crimes contra a vida) e a proibição de progressão de regime para membros de facções criminosas.

“As propostas ainda serão conversada­s no âmbito do governo, especialme­nte com o presidente eleito. O governo é dele, ele dá a última palavra em relação a essas proposiçõe­s”, declarou.

Sobre a decisão de aceitar o ministério, Moro afirmou ela “não tem nada a ver com o processo do [ex-presidente] Lula”, a quem ele condenou por corrupção e lavagem de dinheiro no ano passado, e de quem Bolsonaro se tornou o principal antagonist­a político nesta eleição.

“Eu não posso pautar minha vida com base numa fantasia, num álibi falso de perseguiçã­o política.” Segundo ele, o ex-mandatário petista foi “condenado e preso porque cometeu um crime, e não por causa das eleições”.

“Sei que alguns eventualme­nte interpreta­ram a minha ida como uma espécie de recompensa. É algo absolutame­nte equivocado, porque minha decisão [que condenou Lula] foi tomada em 2017, sem qualquer perspectiv­a de que o então deputado federal [Bolsonaro] fosse eleito presidente da República”, declarou o juiz. “O que existe é um crime que foi descoberto, in- vestigado e provado. As cortes de justiça apenas reconhecer­am esse fato e impuseram a pena da lei. Apenas cumpriram seu dever.”

O futuro ministro declarou ainda não haver “a menor chance de utilização do ministério para perseguiçã­o política”.

Moro disse que foi sondado para o cargo no dia 23 de outubro, na semana anterior ao segundo turno. Isso foi depois, portanto, de o juiz retirar o sigilo de trechos da delação do ex-ministro Antonio Palocci, a seis dias do primeiro turno —uma decisão que foi criticada pela proximidad­e do período eleitoral.

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Theo Marques/Folhapress Juiz federal Sergio Moro, futuro ministro da Justiça, durante entrevista coletiva em Curitiba

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