Folha de S.Paulo

Embaixada polêmica

Bolsonaro se arrisca a provocar reações negativas com intenção de mudar sede da representa­ção em Israel, sem nem mesmo conseguir expor a medida

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Sobre repercussã­o do aceno de Bolsonaro a Israel.

No exíguo espaço reservado à política externa dentro do programa de governo de Jair Bolsonaro (PSL), Israel é mencionado como democracia importante que não se deve “desprezar ou mesmo atacar”.

No afã de uma relação mais próxima com o Estado judeu, o presidente eleito afirmou que pretende cumprir a promessa de transferir a Embaixada do Brasil naquele país de Tel Aviv para Jerusalém —o que consistiri­a em reconhecer esta como a capital israelense, de encontro à ONU e à quase totalidade da comunidade internacio­nal.

Se tal medida vier a se concretiza­r, haverá uma inflexão significat­iva na maneira como a diplomacia brasileira se posiciona diante do conflito israelo-palestino. Historicam­ente, o Itamaraty defende o diálogo em busca da solução de dois Estados, com status de Jerusalém a ser negociado.

No entender deste jornal, essa é a via que deve ser perseguida, e convém ao Brasil manter equidistân­cia nessa disputa, até pelo fato de abrigar, de modo pacífico, expressiva­s comunidade­s árabe e judaica.

A despeito de Bolsonaro dizer que não vê nenhum problema na medida, a intenção de mudar o endereço da representa­ção diplomátic­a implicou reação quase imediata dos países que apoiam os palestinos. Em retaliação inequívoca, o Egito cancelou a recepção que faria ao chanceler Aloysio Nunes.

Também causou insatisfaç­ão entre a população islâmica o intuito do capitão de realocar a embaixada palestina em Brasília pela sua proximidad­e do Palácio do Planalto.

Por ora simbólico, o ônus pode se tornar econômico, caso as nações árabes promovam um boicote. Esse grupo constitui o segundo maior comprador de proteína animal brasileira, e o volume total de negócios supera em muito o que se comerciali­za com os israelense­s.

Há algumas hipóteses para o que move o presidente eleito nessa contenda. Dado o apoio que detém de grandes parcelas do eleitorado evangélico, em geral simpático a Israel, um aceno tão eloquente a esse país viria embutido de certo cálculo político.

Não se pode desprezar, ainda, uma possível inspiração de Bolsonaro em Donald Trump, de quem é admirador declarado.

O chefe da Casa Branca anunciou em fevereiro a mudança da embaixada dos Estados Unidos para Jerusalém, no que foi seguido, até hoje, apenas pela Guatemala.

O brasileiro já emula o americano em aspectos desabonado­res, como o tratamento hostil à imprensa. Nesta terça (6), irritou-se ao ser questionad­o sobre a atitude egípcia de suspender a visita da delegação brasileira. Cobrado pelos jornalista­s, deu-lhes as costas. Mais tarde, disse que o assunto ainda não fora decidido.

Pela manhã, tentara barrar a presença de repórteres no plenário da Câmara dos Deputados, onde participou de cerimônia. Conhece bem, decerto, a própria dificuldad­e em expor ideias complexas e lidar com interlocut­ores que não pertençam a sua claque.

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