Folha de S.Paulo

Linguagem dos sinais

- Roberto Dias roberto.dias@grupofolha.com.br

É preciso bem mais do que as habilidade­s das intérprete­s de libras que acompanham Jair Bolsonaro para tentar entender o que vai na cabeça do novo presidente.

Na campanha, ele passou ao largo dos debates e respondeu a pouquíssim­os questionam­entos sobre plano de governo. Vitorioso, deu entrevista­s curtas, desautoriz­ou assessores e engatou intermináv­el vaivém.

Sem que os projetos sejam expostos às claras, o país agarra-se a sinais. Cada gesto logo vira indicador de alguma possível política vindoura. É em torno desses símbolos que tem girado o debate público no Brasil.

Sinais são faltam. Alguns representa­m marketing em estado bruto, como a arminha com as mãos na tribuna da Câmara, depois transforma­da em coraçãozin­ho, ou o café da manhã com pão e leite condensado.

Outros, mais importante­s, dependem da interpreta­ção dada ao sinal. O maior dos símbolos, Sergio Moro, representa um governo que cooptou a Lava Jato ou que vai combater a corrupção? Por falar no ministério, ele vai sendo formado com político na Casa Civil, economista na Economia, juiz na Justiça, militar na Defesa, cientista na Ciência e agrônoma na Agricultur­a. Significa o quê?

O histórico de Bolsonaro sinaliza pouco apreço por direitos civis. Mas, como afirmou Moro, não há nada do novo governo nesse sentido. Qual então a agenda dos dois para isso? Sem ela, prevalece o símbolo.

O Ministério do Trabalho acabou. É emblemátic­o. Mas o que mudará?

Há sinais contraditó­rios. O homem que transformo­u a facada que levou em um potente símbolo de perigo de vida ignorou um protocolo básico de segurança e pegou o mesmo avião que seu vice. Ele visitou Taiwan, mas abriu sua diplomacia recebendo o embaixador da China.

No Congresso, o eleito demarcou um novo símbolo, tirado dos pontos cardeais. “Na topografia existem três nortes. Na democracia, há só um norte: o da Constituiç­ão.” O governo daria um bom sinal se começasse a trabalhar num plano mais terreno.

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