O Estado de S. Paulo

Lições de crime e o vigor de Killa P

‘Como É Cruel Viver Assim’ é destaque na Première Brasil e o rap de ‘Patti Cakes’ explode no Panorama

- Luiz Carlos Merten /

Na entrevista que deu ao Estado, Steven Soderbergh explicou o que havia de mais atraente no roteiro de Lucky Logan – Roubo em Família, que estreou nesta quinta, 12. Ao contrário da série

Onze Homens e Um Segredo, que é sobre profission­ais, Lucky Logan

é sobre assaltante­s de primeira viagem, que precisam aprender a roubar, e isso faz toda a diferença. Júlia Rezende poderia dizer a mesma coisa sobre o quarteto de seu longa Como É Cruel Viver Assim, que está na mostra competitiv­a da Première Brasil, aqui no Festival do Rio.

O casal Vladimir/Clívia, os amigos ( muy amigos) Primo e Regina. Estão numa pior. Regina acena com a possibilid­ade de sequestrar­em seu ex-patrão. Para Vladimir será a oportunida­de de se mostrar aos olhos da mulher, até porque o ex dela é um profission­al. O problema é que são inexperien­tes. Vão precisar de aulas de criminalid­ade. Júlia Rezende é diretora de grandes sucessos de público – a série

Meu Passado Me Condena, com Fábio Porchat e Miá Mello. Diz alguma coisa sobre a realidade do mercado no Brasil o fato de que seu melhor filme – a comédia romântica Ponte Aérea,

com Caio Blat e Letícia Colin – tenha feito 1% do público do primeiro Meu Passado.

Seu melhor filme até agora é

Como É Cruel Viver Assim –é bom ressaltar. O novo longa baseia-se numa peça que o ator Marcelo Valle fez no teatro. Na passagem do palco para a tela, Como É Cruel não perde nada e até ganha como estudo de personagen­s. E ainda tem a trama de sequestro, a pintura da realidade da periferia. O filme é das boas coisas vistas na Première Brasil deste ano – com as ficções As Boas Maneiras, de Marco Dutra e Juliana Rojas, e Aos Teus Olhos, de Carolina Jabor. Ótimo elenco – Valle, Fabíula Nascimento, Débora Lamm e o marido da diretora, Sílvio Guindane, em seu melhor papel des- de De Passagem, de Ricardo Elias –, cores saturadas, humor grave, estilo realista. Júlia Rezende muda o tom, e acerta.

É mais do que se pode dizer de O Animal Cordial, de Gabriela Amaral Almeida, também na Première Brasil. Um assalto a um restaurant­e desencadei­a um banho de sangue. O horror, o horror. Se a ideia é fazer uma representa­ção social do Brasil, é preciso desistir de todo o idealismo e abraçar o cinismo para acreditar que o cinema deva ir por aí. O filme, de qualquer maneira, tem defensores ardorosos e não será nem um pouco surpreende­nte se Luciana Paes receber o Redentor de melhor atriz, embora o repórter preferisse ver a Isabel Zuaa de As Boas Maneiras empalmar a estatueta. Embora a Première, como plataforma do cinema brasileiro – e mostra competitiv­a – seja a menina dos olhos do Festival do Rio, o evento abriga várias ou- tras seções, inclusive um panorama (do cinema nacional).

Michel Hazanavici­us está aqui mostrando O Formidável, que adaptou do livro de Anne Wiazemsky. Jean-Luc Godard no Maio de 1968. O autor de A Chinesa toma-se por um revolucion­ário, mas as lideranças do movimento o consideram apenas um pequeno-burguês pretensios­o. Há um nu frontal de Louis Garrel, ator que faz o papel, e Godard reclama dessa ma- nia que os diretores têm de tirar a roupa de seus atores. Hazanavici­us diz que não podia perder a ‘blague’ ( piada). Diretor comercial, consagrado com o fenômeno O Artista, ele diz que não fez seu filme para acertar nenhuma conta com o ícone da nouvelle vague. Gostou do livro, e esse Godard meio clownesco, que não é o que pensa ser, lhe pareceu um personagem muito interessan­te.

Anne Wiazemsky, que foi mulher de Godard –e é godardiana de carteirinh­a –, gostou, Hazanavici­us diz que nunca teve críticas tão boas, mas o público desertou das salas francesas. “Tem gente que pensa que é um filme de Godard, não sobre ele”, reflete o diretor, para explicar o fracasso.

Justamente no Panorama, o Festival do Rio tem aberto uma janela para a produção indie dos EUA. Estreia em novembro um dos melhores filmes aqui no Rio. Patti Cakes, de Geremy Jasper – o diretor cancelou sua vinda no último momento –, é outra produção da RT Features, de Rodrigo Teixeira. Uma rapper branca – Killa P – vomita suas rimas atrás de um balcão de bar, enquanto sonha com outra vida. Seu medo maior é ser uma fracassada como a mãe, cuja voz é um canhão, mas não lhe ajudou muito. Patti é gorda – uma ‘Preciosa’ white trash. Para sua vizinhança é ‘Dumbo’. O filme é uma explosão de vitalidade e talento, a atriz Danielle Macdonald é genial.

Outro regalo do panorama é Bom Comportame­nto, dos irmãos Ben e Josh Safdie, com Robert Pattinson, que também estreia em breve.

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FABIO SEIXO ‘Como é Cruel...’. Leticia Isnard e Marcelo Valle

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