O Estado de S. Paulo

Mar de lama e separação

Rompimento de barragem da Samarco causou 19 mortos, destruição e perdas

- Roberta Jansen Carla Araújo A REPÓRTER CARLA ARAÚJO E O FOTÓGRAFO DIDA SAMPAIO VIAJARAM A CONVITE DA FUNDAÇÃO RENOVA

Dois anos após o rompimento da barragem de Mariana, famílias desalojada­s vivem separadas, como Luzia e Caetano. Eles ainda voltam à casa destruída, em Paracatu de Baixo. “Perdemos nossa identidade.”

Amaior tragédia ambiental do Brasil – que completa hoje dois anos – deixou, no rastro do mar de lama que se espalhou por 650 quilômetro­s entre Minas Gerais e Espírito Santo, 19 mortos, a localidade de Bento Rodrigues (em Mariana) submersa, as de Paracatu de Baixo (também em Mariana) e Gesteira (em Barra Longa) destruídas e perdas imateriais que continuam doendo em seus moradores. Desde então, as festas religiosas, as partidas de futebol descomprom­etidas, o bate-papo com os vizinhos e o trabalho na roça se esvaíram.

As cerca de 300 famílias desalojada­s pela lama que se alastrou com o rompimento da barragem do Fundão, da mineradora Samarco, vivem agora na área urbana da Mariana, apartadas umas das outras, e enfrentam a hostilidad­e de muitos moradores da cidade (que ganharam novos vizinhos de uma hora para outra) e seus próprios demônios. A cena mais marcante é o distrito de Bento Rodrigues: uma localidade fantasma, com escombros e lama. Dos 19 mortos, 14 eram trabalhado­res e 5, moradores locais.

Durante uma semana, o Estado percorreu locais centrais da tragédia em Minas e no Espírito Santo e conversou com pessoas que foram diretament­e atingidas pelo rompimento. Apesar do risco de desmoronam­ento, ex-moradores voltam periodicam­ente ao local.

“Eu venho quando quero e ninguém me impede. Eles (Defesa Civil) sabem que, se eu achar algo que era meu, vou pegar”, conta a agricultor­a Marinalva dos Santos Salgado, de 45 anos, que teve a casa soterrada e continua à procura de uma agenda que o marido deixou. “Ele viajava muito a trabalho. Estava doente, mas não me contava pelo telefone, só escrevia. Ele me deu a agenda e morreu três dias depois.”

O rompimento da barragem do Fundão em 5 de novembro de 2015 atingiu muito mais gente que os mortos e suas famílias: um total de 500 mil pessoas.

Estima-se que, com o rompimento da barragem, 39,2 milhões de m³ de rejeitos de minério tenham percorrido os Rios Gualaxo do Norte, Carmo e Doce até desembocar no Oceano Atlântico. O tsunami de lama afetou diversas comunidade­s ribeirinha­s mineiras e capixabas pelo caminho. Contaminou a água, tirou o trabalho de pescadores que dependiam dos rios para sobreviver, matou animais e plantas.

Após o rompimento da barragem, um Termo de Transação e Ajustament­o de Conduta (TTAC) assinado entre a Samarco e suas controlado­ras, Vale e BHP, com a União e diversas autarquias federais e estaduais, criou a Fundação Renova, responsáve­l pela reparação dos danos decorrente­s. As ações passaram a ser definidas pelo Comitê Interfeder­ativo, que reúne também órgãos como o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), a Agência Nacional de Água (ANA) e o Instituto Chico Mendes de Conservaçã­o da Biodiversi­dade (ICMBio), do governo federal.

À espera. Até agora, poucos foram indenizado­s. Boa parte dos pagamentos – 70% a pescadores – ainda está em negociação. A Fundação entregou pouco mais de 8 mil cartões de auxílio financeiro, que é pago mensalment­e, a cerca de 20 mil pessoas. O reassentam­ento das vilas está marcado para 2019, mas as obras nem começaram.

Dos R$ 11,1 bilhões previstos até 2030 no orçamento da Fundação, R$ 2,5 bilhões foram gastos. Além de um processo criminal contra 22 pessoas, que está paralisado por ordem judicial, há ao menos outros 74 mil em anda- mento, além de uma ação civil pública que reúne os atingidos em Bento Rodrigues.

A previsão de recuperaçã­o total dos estragos ambientais é 2032. Ainda não há laudos definitivo­s sobre todos os impactos, e os órgãos monitoram a área afetada para verificar se os peixes estão ou não aptos para o consumo humano e como a quantidade de espécies foi impactada. Os estudos, de acordo com a Renova, devem ser finalizado­s até o início do ano que vem e compartilh­ados com os órgãos ambientais.

A Renova cercou 511 nascentes na Bacia do Rio Doce e promete recuperar em dez anos, conforme prazo fixado pelo TTAC, 5 mil nascentes. Ainda há o debate sobre o que será feito com os rejeitos. Na barragem, esse material tinha areia e argila. Depois do rompimento, isso se juntou a solo, sedimento, árvores e o que mais estava no fundo do rio – o que dificulta a destinação dessa mistura.

Após dois anos, ainda há muitas perguntas sem respostas, dúvidas e muito por fazer. Enquanto isso, a mineradora Samarco quer retomar suas operações. Com atividades paralisada­s, a empresa tenta provar às autoridade­s que é capaz de atuar em segurança. Hoje, sobrevive de aportes de suas controlado­ras, que já destinaram à empresa US$ 430 milhões (cerca de R$ 1,41 bilhão). Antes da tragédia, a Samarco empregava cerca de 6 mil funcionári­os. Hoje, são 1,8 mil, sendo que 800 estão com o contrato suspenso.

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FABIO MOTTA/ESTADÃO
 ?? FABIO MOTTA/ESTADÃO ?? Impacto. Cerca de 300 famílias foram desalojada­s pela lama; a estimativa é de que 39,2 milhões de metros cúbicos de rejeitos de minério tenham percorrido três rios até o oceano
FABIO MOTTA/ESTADÃO Impacto. Cerca de 300 famílias foram desalojada­s pela lama; a estimativa é de que 39,2 milhões de metros cúbicos de rejeitos de minério tenham percorrido três rios até o oceano

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