O Estado de S. Paulo

O entusiasmo dos investidor­es com a AL

- AFFONSO CELSO PASTORE ✱ EX-PRESIDENTE DO BANCO CENTRAL E SÓCIO DA A.C. PASTORE & ASSOCIADOS. ESCREVE NO PRIMEIRO DOMINGO DO MÊS

Amigos que participar­am da última reunião do Fundo Monetário Internacio­nal (FMI), em Washington, admirarams­e com o entusiasmo dos investidor­es com a América Latina. Foi uma radical mudança em relação à reunião do ano anterior, quando “a estrela da companhia” era a Ásia.

Mas tal mudança não se deve ao ressurgime­nto do cresciment­o econômico na América Latina, cujo desempenho continua sendo muito inferior ao asiático. Dentre os países emergentes, China, Índia e Turquia são as forças motrizes do cresciment­o mundial, e embora a Argentina esteja crescendo, com o governo Macri tendo recebido nas últimas eleições um apoio que entusiasma os investidor­es, o cresciment­o brasileiro é medíocre e o governo não tem o suporte político para as reformas necessária­s para garantir a sua aceleração.

Os dados do Banco Central sobre ingressos de capitais mostram que o entusiasmo dos investidor­es nada tem a ver com o Brasil. Os investimen­tos estrangeir­os diretos no Brasil estão abaixo dos US$ 90 bilhões de 2010, e continuam flutuando sem nenhum cresciment­o em torno dos mesmos US$ 80 bilhões de 2013. Porém, nos últimos 12 meses, os investimen­tos em carteira (renda fixa, ações e fundos) mostram fluxos em torno de zero, contrastan­do com o ocorrido em 2010, quando os ingressos em carteira – predominan­temente em ações – foram de US$ 80 bilhões, e também contrastam com os ingressos em carteira em 2013 (antes de o Brasil perder o “grau de investimen­to”), quando chegaram a US$ 40 bilhões.

Em 2010, o governo colheu os frutos das ações “contracícl­icas”, um rótulo que escondia a realidade, que era uma nova fase de populismo econômico, que se prolongou do segundo mandato de Luiz Inácio Lula da Silva até a queda de Dilma Rousseff. Esquecendo-se da Carta aos Brasileiro­s, Lula passou a acreditar que bastaria expandir o crédito, e em 2010 festejou o cresciment­o do Produto Interno Bruto (PIB) de 7,5%.

O Cristo Redentor decolando na capa da revista The Economist, ao fim de 2009, prenunciav­a o “milagre de 2010” e, meses antes, Barack Obama mostrou o quanto havia sido seduzido pelo líder populista, classifica­ndo “o cara” como o grande líder da América Latina. Embora em 2013 a insistênci­a no populismo já tivesse elevado os riscos (as cotações do CDS brasileiro se descolaram das do México, igualando às da Turquia), ainda tivemos algum cresciment­o. Porém, a tempestade recessiva já se armava, e, embora a Economist se arrependes­se, publicando uma capa com o Cristo Redentor em queda, a ilusão dos investidor­es ainda estimulou o ingresso de capitais.

Os investidor­es têm razões para observar atentament­e o Brasil. Afinal, com uma política monetária de excelente qualidade, a taxa real de juros de mercado já está próxima de 3%, começando a ampliar o consumo, que por um bom tempo será a força motriz da recuperaçã­o. Mas não há otimismo quanto à formação bruta de capital fixo.

A grande maioria das empresas herdou da recessão um nível extremamen­te baixo de utilização de capacidade, e a fotografia mostrada pelo Banco Central no último Relatório de Estabilida­de Financeira prova que as empresas continuam endividada­s, e que os empréstimo­s têm baixa capacidade de serem liquidados.

Embora o governo tenha um diagnóstic­o fiscal correto, a falta de apoio político impede que as medidas necessária­s sejam aprovadas e, sem tal aprovação, a política monetária – a tábua de salvação à qual se agarram as perspectiv­as de cresciment­o – perderá eficácia. Sem que se complete o ciclo de reformas fiscais, começando pela da Previdênci­a, nem mesmo um banqueiro central competente consegue fazer milagres.

Esse é o quadro vislumbrad­o pelos investidor­es internacio­nais. Eles já se machucaram com as decisões tomadas em 2010 e 2013, desenvolve­ndo anticorpos contra governos populistas que habilmente dominam a retórica dos milagres e das soluções fáceis.

Infelizmen­te, o desgaste político do atual governo e a desesperan­ça da sociedade abrem um campo enorme no qual o populismo econômico pode progredir, e esse risco é uma razão mais do que suficiente para que, embora se detenham na análise das oportunida­des potenciais, os investidor­es internacio­nais prefiram colocar seus recursos na Argentina, mais do que no Brasil.

Investidor­es estrangeir­os já se machucaram com as decisões tomadas em 2010 e 2013

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