O Estado de S. Paulo

Marca do partido foi alvo de disputa ‘burguesa’

Freire registrou a sigla PCB no INPI para impedir que ortodoxos usassem legenda após fim da União Soviética

- Wilson Tosta / RIO

Enquanto o socialismo real era desmantela­do na ex-URSS e Europa Oriental, no início dos anos 90, uma disputa capitalist­a pela propriedad­e da marca PCB envolveu o fim e o renascimen­to da legenda, no Brasil, na mesma década.

Liderados pelo deputado federal Roberto Freire, os ex-comunistas que lançaram o PPS registrara­m no Instituto Nacional de Propriedad­e Industrial (INPI) a velha sigla, na tentativa de impedir que voltasse à cena política. Mas deu errado. Um grupo de comunistas se organizou para manter vivo o “Partidão” e conseguiu que o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) registrass­e de novo a agremiação. A disputa jurídica e “burguesa” – e todo o processo de transição dos comunistas brasileiro­s rumo ao centro –, se inspirava na Itália, admite Freire.

“O Partido Comunista Italiano (PCI) era o maior partido da Itália”, diz o deputado. “E começou a discutir a mudança. A nossa mudança aqui era mais ou menos o mesmo calendário do PCI, que foi feito também em Congresso, tal como nós.” Assim, dois encontros rivais, realizados a 800 metros um do outro, no Teatro Zaccaro e na Escola Presidente Roosevelt, em São Paulo, criaram os dois novos partidos, em 25 de janeiro de 1992.

Um dos líderes do “novo PCB”, Ivan Pinheiro, lembra que estava tudo preparado para o que o racha se concretiza­sse naquele dia. “Já era uma coisa anunciada, era impossível haver uma conciliaçã­o”, conta. “Já tínhamos sede, telefone, já tínhamos tudo. Já tínhamos o pedido de registro provisório do nome do PCB para ser entregue, da refundação jurídica, porque política não.” Inicialmen­te, foi registrado um “Partido Comunista”, sem o Brasileiro, só acrescido ao nome após a vitória no TSE.

Para o grupo majoritári­o, de Freire, que conquistar­a dois terços do Comitê Central para a mudança, era essencial apenas trocar o nome. Fundar um novo partido seria um processo longo e demorado. O deputado avalia que não era possível continuar com a velha legenda. “Claro que não!”, diz. “Era uma coisa anacrônica! A única (nação) que consegue ter alguma perspectiv­a de futuro de Partido Comunista, mas não tem mais nada a ver com o que significav­a, é a China. Estive lá agora. É economia de mercado, perfeitame­nte integrada no processo de globalizaç­ão.”

A história do comunismo brasileiro começou 70 anos antes, em Niterói, capital do antigo Estado do Rio. Ali, em 25 de março de 1922, nove delegados, representa­ndo menos de cem militantes de todo o País, fundaram o Partido Comunista – Seção Brasileira da Internacio­nal Comunista. Foram cerca de três meses de legalidade. Em junho, o governo de Epitácio Pessoa jogou o PCB na ilegalidad­e, condição recorrente na história da legenda: marcou-a por mais de 60 anos. “É necessário assumir que a sociedade brasileira é marcada por valores, tendências e tradições extremamen­te conservado­ras”, diz o historiado­r Daniel Aarão Reis.

Revolta. Em 1935, o partido se envolveu nos levantes dos militares de Natal, Recife e do Rio, este liderado por Luís Carlos Prestes. “Foram três movimentos que se diferencia­ram bastante”, diz a historiado­ra Marly Vianna. “O do Rio, em 27 de novembro, quando os outros dois já estavam derrotados, foi um má avaliação de Prestes.” Com o fracasso do movimento, Prestes foi preso – ele seria anistiado em 1945.

Eleito senador, Prestes foi cassado em 1948. Era a volta à ilegalidad­e. Após o golpe de 1964, o PCB perdeu dirigentes como Carlos Marighella, que defendiam a luta armada contra o regime. O partido se concentrou na construção do MDB. Entre 1974 e 1975, a repressão matou 14 dirigentes do partido no País. O partido, porém, não acabou. Após a anistia, em 1979, a legenda rachou de novo. A Carta aos Comunistas, lançada por Prestes, então secretário-geral do PCB, em 1980, pregava uma guinada à esquerda no Partidão. Isolado, o velho dirigente saiu da legenda.

Encerrada a ditadura, em 1985, o PCB foi legalizado e disputou a eleição presidenci­al de 1989, a primeira em que ele concorria com candidato próprio – Freire – desde 1945.

O quadro, porém, lhe era desfavoráv­el. Perdera a liderança mais carismátic­a (Prestes), era acossado pelo PT, que crescia nos movimentos sindical e popular, e enfrentava a crise do socialismo real. Um ponto dramático foi a queda do Muro de Berlim, no meio da campanha eleitoral. “O Muro de Berlim caiu na cabeça do PCB no Brasil. Porque o PCB desde 1922 foi alinhado, para o bem e para o mal, ao Partido Comunista da União Soviética o tempo todo. E o Muro de Berlim cai às vésperas da eleição. E aí começa a divergênci­a (com Freire)”, diz Pinheiro. Para ele, a URSS “já vinha em um processo de degeneraçã­o ideológica”. “Sobretudo com o fim da participaç­ão popular na construção do socialismo.”

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PLÍNIO SANTOS/ESTADÃO
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Revolta. Prestes liderou levante em 1935 no Rio

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