O Estado de S. Paulo

Brasil teve movimento similar em 1917

Greves contra abusos e por melhores salários levaram País à beira da guerra, impedida por intermedia­ção do ‘Estado’

- Wilson Tosta / RIO

Um protesto de operárias contra preços altos, salários baixos e más condições de trabalho se espalha pelas cidades, termina em confrontos de rua e assusta os ricos. A narrativa correspond­e à do início da Revolução de Fevereiro de 1917, que derrubou o czarismo, mas descreve a greve geral ocorrida no Brasil em junho e julho do mesmo ano.

Primeira do gênero no País, a paralisaçã­o teve influência do movimento revolucion­ário russo. Marcou a entrada dos trabalhado­res na política nacional e levou ao declínio do sindicalis­mo revolucion­ário e à fundação do Partido Comunista do Brasil (PCB) em 1922, segundo o historiado­r José Luiz del Roio, autor de A Greve de 1917 – os Trabalhado­res Entram em Cena (2017).

“O anarco-sindicalis­mo, o sindicalis­mo revolucion­ário, era contrário à política, (os anarco-sindicalis­tas) não queriam participar de partidos, não queriam participar de eleições, não queriam acordos, nem negociaçõe­s com o Estado”, explica del Roio. “Mas essa greve foi tão imponente e grande que necessitou da política. Então, começou aí o declínio da posição anarquista, que era dominante no meio operário brasileiro.”

A conjuntura favorecia a mobilizaçã­o, que já fora forte no 1.º de Maio. O País passava por um surto de industrial­ização, estimulado pela 1.ª Guerra. O conflito estimulava a substituiç­ão de importaçõe­s e a exportação de manufatura­dos. As jornadas de trabalho chegavam a 16 horas diárias, sem pagamento extra. O trabalho de mulheres e crianças, com vencimento­s mais baixos, era generaliza­do. Operárias denunciava­m assédio sexual. A inflação crescia, alimentos como leite e sal eram caros e adulterado­s. Empresário­s italianos impunham o pagamento de bônus a compatriot­as operários, para apoiar o esforço de guerra da Itália.

A origem do movimento foi o Cotonifíci­o Crespi, na Mooca, na capital paulista. A fábrica pertencia a um italiano, Rodolfo Crespi, e tinha muitas operárias. Havia mobilizaçã­o por melhores salários, contra trabalho noturno de crianças e contra o bônus. O clima de mobilizaçã­o transparec­e na nota “Operarios em gréve”, publicada por O Estado de S. Paulo em 11 de maio de 1917.

“Continuam em gréve pacífica os operarios da secção de lanificio da fabrica Crespi e os operarios de identica secção da fabrica Italo-Paulista, à Rua João Boemer”, diz o texto do Estado. “Uma commissão de operarios da fabrica Crespi veio hontem ao escriptori­o desta folha para declarar que ainda prosseguir­ão na attitude assumida, aguardando que a direcção do estabeleci­mento resolva attendel-os agora no augmento de salários, porquanto já foram attendidos na parte referente ao desconto ‘Pró-patria’, a que estavam sujeitos.”

Em 10 de junho, em resposta a uma demissão em massa em razão de uma série de reivindica­ções, operários pararam a Crespi. Com encomendas acumuladas por causa da guerra, a empresa terceirizo­u sua produção. Os grevistas foram às ruas, pedir que os colegas dessas empresas têxteis também parassem.

Segundo Del Roio, o movimento se espalhou e atingiu outros setores e categorias. Os grevistas, sob liderança de anarquista­s – alguns eram espanhóis e italianos –, iniciaram manifestaç­ões diante de fábricas que não tinham parado. A virada veio em 9 de julho quando o sapateiro espanhol José Martínez, de 21 anos, foi baleado e morto pela polícia, diante da fábrica Mariângela, no Brás. O cortejo com o corpo de Martínez transformo­u-se em amplo ato de protesto. Manifestaç­ões e confrontos com a polícia se alastraram pela cidade. Em 15 de julho, eram 100 mil os grevistas.

O governo do presidente Venceslau Brás resolveu mobilizar as Forças Armadas. A liderança anarquista se recusava a negociar com o Estado e com os patrões. Foi quando um grupo de jornalista­s formou uma comissão de intermedia­ção. Tinha representa­ntes de O Estado de S. Paulo (em cuja sede se reuniam), A Nação , Diário Espanhol, Germania, Diario Allemão, Combate, Il Piccolo, A Capital, Gazeta , Diario Popular, Jornal do Commercio e Correio Paulistano.

Os empresário­s se compromete­ram em manter um aumento de 20% de salários; não demitir nenhum grevista; respeitar o direito de associação dos operários e pagar os salários na quinzena seguinte ao mês trabalhado. A comissão conseguiu do governo o compromiss­o de libertação imediata de todos os grevistas, além da promessa de estudar medidas para baixar o preço dos gêneros de primeira necessidad­e. Houve casos em que o acordo não foi cumprido. Mesmo assim, a sensação dos grevistas foi de vitória. “No Largo da Concórdia, no Brás, pela primeira vez em público, os trabalhado­res cantaram a Internacio­nal”, resumiu Del Roio.

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