O Estado de S. Paulo

Alvo móvel na mira do BC

- JOSÉ MÁRCIO CAMARGO PROFESSOR DO DEPARTAMEN­TO DE ECONOMIA DA PUC/RIO, É ECONOMISTA DA OPUS GESTÃO DE RECURSOS

OBanco Central (BC) do Brasil voltou a reduzir a taxa básica de juros (Selic), desta vez em 0,75 ponto de porcentage­m. Ao mesmo tempo, sugeriu em seu comunicado pós-reunião que deverá continuar o processo de queda da Selic na próxima reunião do Comitê de Política Monetária (Copom). Com isso, a taxa deverá atingir o nível mais baixo desde a estabiliza­ção da economia, em 1994 (provavelme­nte 7,0% ao ano). A pergunta que estão se fazendo os investidor­es é se vai parar aí ou se tem mais espaço para cair.

Ao contrário do que ocorreu na experiênci­a anterior em que o BC adotou uma política similar (de forte queda da Selic) em 2012/2013, desta vez todos os indicadore­s sugerem que a redução é sustentáve­l, ou seja, a taxa poderá permanecer em níveis relativame­nte baixos por um período relativame­nte longo de tempo.

O BC é certamente um dos responsáve­is por este sucesso, por ter resistido às pressões para começar a diminuir a Selic em agosto de 2016, quando as expectativ­as para a inflação em 2017 e 2018 estavam muito acima da meta. Ao adotar essa decisão, a diretoria do Banco Central indicou aos investidor­es que, num regime de metas para a inflação, a primeira tarefa de um Banco Central competente e responsáve­l é ancorar as expectativ­as. Somente a partir daí é possível iniciar o afrouxamen­to da política de juros. O resultado foi que as expectativ­as convergira­m para a meta e, com as expectativ­as ancoradas – o que passou a acontecer em outubro de 2016 –, a redução da Selic foi uma consequênc­ia.

Mas isso é apenas parte da história. A outra parte da história é o compromiss­o do governo e do Congresso Nacional com as reformas e ajustes da economia brasileira. Como bem reconheceu o BC em seu comunicado após a última reunião do Copom, “o processo de reformas e ajustes necessário­s na economia brasileira contribui para a queda da sua taxa de juros estrutural. As estimativa­s dessa taxa serão continuame­nte reavaliada­s pelo Comitê”.

Ou seja, a aprovação das reformas está sendo fundamenta­l para que a taxa de juros estrutural da economia brasileira, a taxa de juros que não gera pressão inflacioná­ria, esteja em trajetória de queda. É exatamente a queda da taxa de juros estrutural que diferencia o atual processo de redução da Selic daquele executado, de forma desastrada, em 2012/2013, e, portanto, permite ao Copom reduzir sustentave­lmente a taxa básica de juros.

Em outras palavras, o Banco Central está perseguind­o um alvo: a taxa de juros estrutural. Esse alvo se tornou móvel e está em trajetória de queda desde que as reformas começaram a ser aprovadas no segundo semestre de 2016. A condição necessária para que este alvo continue em queda é que o processo de reformas continue em andamento.

Em especial, é fundamenta­l que o Congresso aprove uma reforma da Previdênci­a Social que torne a emenda constituci­onal que criou um limite para o cresciment­o do gasto público factível. Sem uma reforma da Previdênci­a Social, em 20 anos o total das receitas do governo federal será destinado ao pagamento

Sem reformar a Previdênci­a, em 20 anos aposentado­rias e pensões consumirão toda a receita do governo federal

de aposentado­rias e pensões. Algo totalmente inviável. E, sem este limite, a experiênci­a histórica desde a redemocrat­ização é de que o aumento dos gastos públicos no Brasil será financiado ou por aumento da inflação (como no período 1985/1994), ou por calote da dívida (como no Plano Collor), ou por aumento de impostos (como no período pós-estabiliza­ção). Neste contexto, a queda da Selic eventualme­nte se tornará insustentá­vel.

Portanto, é a aprovação da reforma da Previdênci­a Social que vai criar as condições para que a taxa de juros estrutural continue em queda e o Banco Central continue a reduzir a Selic para um nível abaixo de 7,0% ao ano, sem gerar pressão sobre a taxa de inflação. Com isso, a redução da Selic não apenas seria sustentáve­l, mas estaríamos dando um passo indispensá­vel para que o Brasil deixe de ter uma das taxas de juros reais mais elevadas do mundo.

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