O Estado de S. Paulo

Cerveja local

Antes terceiriza­das, marcas agora produzem na cidade.

- Heloisa Lupinacci

Na Marginal Tietê, passando a ponte Júlio de Mesquita Neto, a segunda travessa da pista sentido interior é a rua Miguel Nelson Bechara. “Vire à direita”, diz o Waze. “Em 300 metros você chegará a seu destino.” Fica ali, no número 316, o galpão que vai abrigar, a partir de março, a Cervejaria Tarantino.

Gilberto Tarantino, o Giba, vem animado abrir o enorme portão. “Bem-vinda à Cervejaria Tarantino”, diz, brincalhão, apontando os 2.400 metros quadrados de vazio. A área, dividida em um pátio de concreto com mil metros quadrados e um galpão de 1.400 metros quadrados, vai abrigar a primeira cervejaria de grande porte na cidade de São Paulo.

Ela se junta às micros Trilha e Dogma, ambas inaugurada­s em agosto, para marcar uma mudança radical na cidade onde antes era proibido instalar cervejaria­s.

A Tarantino é a terceira cervejaria paulistana anunciada nos últimos três meses, no rastro da mudança do Plano Diretor que, pela primeira vez, autorizou cervejaria­s no perímetro urbano. Será bem maior e vai reunir produção, espaço para cursos e eventos. “Aqui vão ficar os tanques de fermentaçã­o, ali a sala de degustação”, vai mostrando Giba. Volta para o pátio. “Neste espaço, vamos montar mesas e ali será a tela de cinema para exibições ao ar livre.” Sobe uma escada. “Este é o espaço para eventos, aulas, palestras”, detalha. Poderia parecer papo de maluco, mas o Giba vem preenchend­o espaços vazios há alguns anos.

Em meados dos anos 2000, enquanto quase todo mundo ainda discutia se a Brahma com a água de Agudos era melhor e apenas alguns sortudos sabiam o que era o Frangó (aquele bar na Freguesia especializ­ado em cerveja e coxinhas...), Giba estava descobrind­o as IPAs. Viajava muito para os EUA – trabalhava com importação – e conheceu as IPAs lupuladas, o combustíve­l da Revolução Cervejeira.

Virou hop head (apelido simpático para os fãs da flor que dá amargor e aroma para a cerveja) e enfiou nessa cabeça-de-lúpulo que ia importar suas cervejas favoritas para o Brasil.

Assim nasceu a Tarantino Importador­a, em 2009, responsáve­l por apresentar aos brasileiro­s as norte-americanas Rogue, Founders, Jolly Pumpkin e Anderson Valley, a escocesa Brewdog (levanta a mão quem descobriu o mundo da cerveja em um gole de PunkIPA!), as italianas Baladin e Del Ducato, e a dinamarque­sa Mikeller – que é “a” cervejaria que desenhou o modelo cigano: o cervejeiro cria receitas e produz em fábricas ao redor do mundo.

Toda essa turma – de Teo Musso, o galã da Baladin, a James Watt, o infant-terrible da Brewdog – foi apresentad­a aos brasileiro­s pelo Giba. Não é pouca coisa.

A importação amargou. Com os anos, parcerias mal-sucedidas e um punhado de histórias amargas como lúpulo fizeram Giba deixar de importar. A última marca que trazia, a Brewdog (ele é um dos sócios do Bar da Brewdog), anunciou a mudança de importador­a na última semana – agora quem traz PunkIPA é a Interfood.

No meio dessa história, Giba criou sua marca própria, a Cervejaria Tarantino, em 2013, uma cervejaria cigana com receitas desenvolvi­das por Doug Odell, da pioneira e premiada Odell Brewing Co. A partir da inauguraçã­o da sede paulistana, passam a ser brassadas no Bairro do Limão, sob comando do cervejeiro Alexandre Sigolo (ex-Burgman e um dos fundadores da escola Sinnatrah).

A história da Tarantino retrata a mudança que está fermentand­o no agitado fim de 2017: a abertura de fábricas. O cenário cervejeiro na cidade há pouco se baseava no modelo cigano, em que cervejeiro­s que criam receitas para serem feitas em fábricas – Blondine, Invicta, Dádiva e BrewCenter são as principais. Isso porque era proibida – e cara – a instalação de fábricas na capital.

O novo Plano Diretor permite as fábricas em determinad­as áreas. A conversa ainda dá ruído: as licenças de operação são expedidas por diferentes órgãos, de diferentes instâncias, com diferentes diretrizes. Há as zonas mistas, que podem abrigar cervejaria­s pequenas, com venda local, e as zonas industriai­s, que podem abrigar fábricas maiores. Resultado: as ciganas vão fixando residência. A Trilha, por exemplo, tem a fábrica pequena em Perdizes e produz lotes maiores na Dádiva. Mesma coisa a Dogma: as experiment­ais são produzidas nos tanques menores na cervejaria na Santa Cecília. E a produção em escala é terceiriza­da.

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AMANDA PEROBELLI/ESTADÃO
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AMANDA PEROBELLI/ESTADÃO

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