O Estado de S. Paulo

O que há de concreto sobre Fernando Segóvia é boa ficha de serviços prestados ao País.

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Asubstitui­ção do delegado Leandro Daiello na diretoria-geral da Polícia Federal (PF), instituiçã­o que comanda desde janeiro de 2011, era esperada há pelo menos um ano e meio. Isso nada tem a ver com o seu desempenho funcional ou com supostos embaraços que ele possa ter causado aos interesses de políticos e empresário­s poderosos, que teriam a ganhar com a sua saída.

Em um tempo em que parece ser mais confortáve­l acreditar no que se quer, e não naquilo que os fatos corroboram, é difícil aceitar que a substituiç­ão do titular de um cargo tão sensível para o País tenha sido pautada, antes de tudo, por uma razão bem mais prosaica: um pedido pessoal do próprio delegado Daiello.

Mais longevo diretor-geral da instituiçã­o, há 6 anos e 10 meses à frente da PF, Daiello queixava-se de cansaço. Em algumas ocasiões recentes, chegou a lamentar a falta de tempo para passar com a família, elevado preço cobrado pelo cargo que ocupa até o próximo dia 20. Além disso, já dava como concluído o seu trabalho como diretor-geral da Polícia Federal.

Leandro Daiello não deixou o cargo há mais tempo apenas porque as circunstân­cias não permitiram. Para vários setores da sociedade, sua saída do comando da PF representa­ria uma ameaça ao bom andamento da Operação Lava Jato, ideia que se coaduna com a visão personalis­ta que a opinião pública tem das instituiçõ­es, raramente enxergando seu vigor próprio, e sim o de seus membros.

O mais recente pedido de Daiello para que fosse substituíd­o ocorreu em setembro. Na ocasião, o ministro da Justiça, Torquato Jardim, a quem o diretor-geral da PF está subordinad­o, optou por mantê-lo no cargo, para a surpresa dos que apregoavam que a troca no comando da PF era uma “missão” que lhe fora atribuída pelo presidente Michel Temer.

“Pedi para ele ficar porque temos vários projetos em andamento. Precisamos dar continuida­de à preparação da nova Política Nacional de Segurança Pública e à modernizaç­ão da Polícia Federal com mais atuação em tecnologia e internacio­nal. Não me pareceu adequado que o diretor-geral da Polícia Federal se afastasse agora”, afirmou o ministro da Justiça.

Leandro Daiello aceitou, afirmando que ficaria no cargo “o tempo que fosse necessário”. O tempo chegou e, a priori, sua substituiç­ão – um ato administra­tivo do governo como outro qualquer – não deveria alimentar a imaginação dos teóricos da conspiraçã­o.

Entretanto, a nomeação do delegado Fernando Segóvia para o lugar de Leandro Daiello deu início a toda sorte de malabarism­os interpreta­tivos. A começar pelas irresponsá­veis inferência­s acerca de sua futura gestão com base apenas nos interesses que deveria atender como contrapart­ida ao patrocínio de supostos “padrinhos” citados como responsáve­is por sua ascensão ao comando da PF. Aliás, são tantos os nomes aventados que fica difícil de saber realmente quem o teria ungido.

O que se tem de concreto hoje sobre o futuro diretor-geral da PF é uma boa ficha de serviços prestados à instituiçã­o e ao País. “Ele tem experiênci­a com índios, armas, vários temas. Tenho uma boa impressão dele”, disse Paulo Lacerda, ex-diretor-geral da PF durante o primeiro mandato de Lula da Silva.

Foi Fernando Segóvia, um delegado experiment­ado, há 22 anos na PF, o responsáve­l por adequar a instituiçã­o às novas exigências da Lei n.º 10.826/2003, o chamado Estatuto do Desarmamen­to, missão considerad­a crítica então.

Sobre ele também recaiu a responsabi­lidade de atuar na desocupaçã­o da reserva indígena Raposa Serra do Sol (RO), em 2008. Graças à atuação de Segóvia, uma carnificin­a foi evitada durante a retirada de não índios da região.

O que se tem, portanto, é um delegado federal com desempenho correto. É justo dar-lhe tempo para mostrar que pode ser um bom chefe de polícia.

Atribuir à saída de Leandro Daiello um eventual retrocesso para importante­s operações que estão em andamento, não só a Operação Lava Jato, chega a soar desrespeit­oso para com milhares de servidores da PF que cumprem suas obrigações, investigan­do.

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