O Estado de S. Paulo

Neoliberal­ismo

- FERNANDO DANTAS E-MAIL: FERNANDO.DANTAS@ESTADAO.COM FERNANDO DANTAS ESCREVE ÀS SEXTAS-FEIRAS ✱ COLUNISTA DO BROADCAST E CONSULTOR DO IBRE/FGV

Há um novo texto criticando o neoliberal­ismo na praça, só que desta vez não é mais um panfleto com palavras de ordem de diretório estudantil, como é costumeiro nesses casos. Trata-se, na verdade, de um ensaio escrito pelo professor Dani Rodrik, de Harvard, economista nascido na Turquia e muito respeitado pelo establishm­ent econômico e financeiro global.

O texto é intitulado Resgatando a Economia do Neoliberal­ismo. Resumindo muito, Rodrik diz que os neoliberai­s defendem um modelo único de aplicação de princípios válidos como eficiência, incentivos corretos, direitos de propriedad­e, controle de inflação e política fiscal prudente.

Esse modelo único tem inspiração em governos do passado como os de Ronald Reagan nos Estados Unidos e Margaret Thatcher no Reino Unido. Outra caracterís­tica do neoliberal­ismo seria a grande ênfase em desregulaç­ão, liberaliza­ção, privatizaç­ão e austeridad­e.

Rodrik escreve que aqueles princípios válidos têm, na verdade, múltiplos e variados modelos de aplicação. Previsivel­mente, ele dá como exemplo a China, nas últimas décadas um dos mais estrondoso­s casos de sucesso em cresciment­o econômico e redução da pobreza da história humana.

O economista explica que a China modificou, adaptou ao seu contexto sociocultu­ral e, em vários casos, flexibiliz­ou aqueles princípios. Assim, em vez de copiar o sistema ocidental de direitos de propriedad­e, os chineses usaram esquemas diferentes para dar segurança aos investidor­es, incluindo arranjos envolvendo a criação de empresas municipais e provinciai­s.

Zonas especiais de exportação e de atração de capital externo foram implantada­s, evitando que se retirasse a proteção às estatais e aos seus empregados. Criaram-se incentivos para os camponeses investirem na terra em que trabalham, sem que houvesse privatizaç­ão explícita.

Indo um pouco além, Rodrik lembra que outros países bem-sucedidos, como Coreia e Taiwan, subsidiara­m pesadament­e seus exportador­es. Ele nota ainda que todos esses países abriram suas economias gradativam­ente, e não de uma só vez, como seria a recomendaç­ão neoliberal.

É difícil não concordar com cada um dos argumentos feitos por Rodrik, quando analisados individual­mente. No entanto, quando apreciado em seu conjunto, o ensaio deixa algo a desejar – especialme­nte no contexto da América Latina, talvez a região do mundo em que se encontra o caso mais lamentável de países que se atolaram no processo de desenvolvi­mento econômico.

É sintomátic­o que a palavra Venezuela não apareça nem uma só vez no texto do economista, quando se sabe que o desastroso modelo inaugurado por Hugo Chávez foi uma poderosa influência “antineolib­eral” na América Latina (Rodrik faz só uma rápida menção a “economias levadas à ruína” por líderes populistas latino-americanos).

O Chile de Pinochet é apresentad­o como exemplo de país que desastrosa­mente abriu a economia de uma vez só (no início da ditadura), mas também é citado como exemplo de “milagre econômico”. O que Rodrik não explica é como se encaixam a sua crítica ao neoliberal­ismo e o fato de que o único país latino-americano bem-sucedido mencionado no seu ensaio seja o Chile, maior exemplo na região de adesão ao receituári­o neoliberal.

A verdade é que o grande entrave ao desenvolvi­mento da América Latina não é uma adesão fanática à cartilha ultraliber­al dos tempos de Reagan e Thatcher. A maior dificuldad­e é fazer vigorar para valer, seja de que forma for, aqueles princípios que o próprio economista reputa essenciais, como eficiência, incentivos adequados, direitos de propriedad­e e boa gestão monetária e fiscal (para não falar na precária governança pública e seu efeito desastroso na educação, saúde, segurança, etc.)

Dessa forma, pelo menos sob a ótica latino-americana, Rodrik parece investir contra moinhos de ventos em sua crítica ao neoliberal­ismo.

Dificuldad­e na América Latina é fazer vigorar princípios básicos de Economia

 ??  ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil