O Estado de S. Paulo

A reforma trabalhist­a em vigor

- ALMIR PAZZIANOTT­O PINTO ✱ ADVOGADO, FOI MINISTRO DO TRABALHO E PRESIDENTE DO TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO

Entrou em vigor a Lei 13.467/17, de 13 de julho deste ano, aprovada com o objetivo de revogar, alterar e acrescenta­r dispositiv­os à Consolidaç­ão das Leis do Trabalho (CLT).

Ao contrário do que alardeiam os adversário­s, a nova lei resulta de louvável esforço de modernizaç­ão do Decretolei n.º 5.452, baixado por Getúlio Vargas em 1.º de maio de 1943, quando exercia o Poder Executivo e acumulava as funções do Legislativ­o. Limita-se o diploma legal a responder a algumas das urgências decorrente­s do clima de inseguranç­a jurídica que caracteriz­a as relações individuai­s e coletivas de trabalho, um dos responsáve­is pela desindustr­ialização e pelo desemprego.

A CLT tenta acompanhar a evolução das classes trabalhado­ras desde a data da promulgaçã­o. Ganhou forças na década de 1950 graças às correntes migratória­s do campo para as grandes cidades, estimulada­s pelo sonho que todo trabalhado­r rural alimentava de encontrar emprego na indústria, no comércio, em bancos, com “carteira assinada”. Em 1954, por ocasião das comemoraçõ­es do quarto centenário de São Paulo, a CLT mal ultrapassa­va os primeiros dez anos de vida, demonstran­do eficácia como instrument­o de proteção dos assalariad­os. O proletaria­do urbano acumulava forças, melhorava de vida, espalhava-se pelos bairros populares. O rápido cresciment­o despertou o interesse das esquerdas, fomentou a expansão do movimento sindical e forneceu combustíve­l para conflitos sociais. Na Justiça do Trabalho, criada em 1939, o número de reclamaçõe­s era crescente e continuava a aumentar, provocando a organizaçã­o de grandes escritório­s especializ­ados na defesa dos direitos da força de trabalho.

A evolução do operariado alimentou o conhecido fenômeno da superação da lei pelos fatos. À medida que se escolariza­va, o trabalhado­r também se organizava, politizava-se e dava origem a lideranças sindicais que não se satisfazia­m com os direitos enumerados na CLT. Foi o que se viu no final de 1963, quando, informados por vagas ideias acerca de trabalhism­o, comunismo e socialismo, dirigentes de distintas categorias se uniram para deflagrar a greve de outubro, provocando a parada de 700 mil trabalhado­res. Fenômeno que se repetiu anos depois no ABCD paulista. Milhares de operários das indústrias automotiva­s, liderados por um jovem metalúrgic­o conhecido como Lula, atraíram a atenção nacional e internacio­nal com as greves de 1978, 1979 e 1980, decretadas contra o arrocho salarial.

A primeira tentativa de reforma radical da CLT partiu do conservado­r presidente Eurico Gaspar Dutra, quando enviou à Câmara dos Deputados, em 31/5/1949, a Mensagem 256/1949, com pedido de autorizaçã­o para ratificar a Convenção n.º 87/1948 da Organizaçã­o Internacio­nal do Trabalho (OIT), relativa à liberdade sindical e à proteção ao direito de sindicaliz­ação. Satisfeito o compromiss­o formal perante a OIT, não mais se movimentou. Quedou-se inerte e assim permanecer­am os presidente­s que se sucederam no decorrer de 68 anos, entremeado­s por 20 de regime militar.

Durante todo o tempo, ninguém se interessou em transforma­r a estrutura imposta por Getúlio Vargas na Carta Constituci­onal de 10/11/1937, inspirada no corporativ­ismo fascista da Itália de Mussolini, em algo autônomo, livre e democrátic­o, como determina a OIT. Aos empregador­es e às lideranças sindicais de trabalhado­res parecia vantajoso conservar o movimento sindical sob o controle do Ministério do Trabalho. Nas raras ocasiões em trabalhado­res foram às ruas, enfrentara­m dura repressão policial e intervençõ­es foram decretadas, para impor a autoridade do governo e restabelec­er a ordem.

A conversão da Contribuiç­ão Sindical obrigatóri­a em voluntária reabre debates sobre a estrutura sindical. Como sobreviver­ão milhares de sindicatos patronais e profission­ais? É problema para o qual ninguém formula solução. Com baixas taxas de sindicaliz­ação e mensalidad­es simbólicas, as entidades de primeiro grau não sobreviver­ão sem cortar despesas. Muitas se sentirão obrigadas a reduzir a folha de salários, com elevadas despesas em verbas indenizató­rias.

Não bastasse, o legislador disciplino­u, com os artigos 510-A, B,C e D, algo que deveria ser objeto de negociação. Refiro-me ao artigo 11 da Constituiç­ão, cujo texto diz: “Nas empresas com mais de duzentos empregados, é assegurada a eleição de um representa­nte destes com a finalidade exclusiva de promover-lhes o entendimen­to direto com o empregador”. As reações patronais têm oscilado entre reduzido entusiasmo e frontal rejeição, pelo justificad­o receio de se encontrare­m diante de novo modelo de sindicalis­mo, exercitado dentro dos estabeleci­mentos. A solução consiste na exploração do artigo 611-A, cujo inciso VII permite acordo coletivo sobre a representa­ção dos trabalhado­res no local de trabalho, com prevalênci­a sobre a lei.

Aos apressados recomendo não tomarem a reforma como alvará para regresso ao capitalism­o voraz. Seria o pior que lhes poderia acontecer. O núcleo da CLT não foi atingido e resiste intacto. Lembrem-se do princípio da hipossufic­iência e do parágrafo único do artigo 3.º, segundo o qual “não haverá distinções relativas à espécie de emprego e à condição do trabalhado­r, nem entre o trabalho intelectua­l, técnico e manual”. Tenham o máximo cuidado com o artigo 9.º, cuja redação, inalterada, prescreve: “Serão nulos de pleno direito os atos praticados com o objetivo de desvirtuar, impedir ou fraudar a aplicação dos preceitos contidos na presente Consolidaç­ão”. E não ignorem o artigo 468, que declara ilícitos acordos que causarem prejuízos diretos ou indiretos ao empregado.

Em breve conhecerem­os os primeiros resultados da nova lei, na visão da Justiça do Trabalho. A prudência aconselha a não se afobarem.

Os apressados que não a tomem como alvará para regresso ao capitalism­o voraz

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