O Estado de S. Paulo

Ritmo acelerado

Ásia puxa avanço recorde da classe média global

- Amanda Pupo

A classe média no mundo não para de crescer, impulsiona­da pelo ritmo forte de economias asiáticas em desenvolvi­mento. Em destaque pelo cresciment­o veloz, dinamismo econômico e mercados abertos, China e Índia concentram os maiores avanços da classe média global, hoje formada por pouco mais de 3 bilhões de pessoas (ou 40% da população mundial). Até 2024, esse contingent­e chegará a 4 bilhões – e 70% desse cresciment­o estará concentrad­o nesses dois países.

As projeções do economista paquistanê­s Homi Kharas mostram que antes, em 2020, a maior parte da população global já será de classe média. Em cinco anos, o estrato ganhará 170 milhões de pessoas por ano, quando deve alcançar seu pico. Hoje, este número gira em torno de 140 milhões por ano. Os dados constam do estudo A excepciona­l expansão da classe média global – uma atualizaçã­o (em tradução livre), publicado este ano por Kharas, pesquisado­r da Brookings Institutio­n.

No documento, que atualiza projeções de 2010, Kharas aponta para uma bifurcação do fenômeno da classe média global: expansão muito concentrad­a na Ásia e estagnação em países desenvolvi­dos e em certas economias emergentes, como a brasileira. Ambos os cenários trazem fortes implicaçõe­s aos governos, que, por um lado, enfrentam uma massa crescente e, por outro, cidadãos insatisfei­tos.

Em entrevista ao Estado, Kharas disse que o comportame­nto da classe média tem efeitos políticos relevantes, e o cresciment­o dessa população traz fortes impactos para os governos. Nos países onde o segmento pouco ou nada avança, o sentimento de frustração tem sido uma tônica.

O economista lembra que o pico de expansão da classe média nos Estados Unidos, Europa e Japão foi impulsiona­do tanto pelo forte cresciment­o econômico quanto pela expansão de políticas e serviços públicos. “Quando governos não providenci­am tais serviços, a classe média fica insatisfei­ta.”

A eleição de Donald Trump, a saída do Reino Unido da União Europeia e o avanço da extrema-direita alemã são fatos frequentem­ente ligados a este aborrecime­nto. “Forças políticas conservado­ras têm se aproveitad­o dos sentimento­s populistas para fazer resistênci­a às imigrações, e isto também tem a ver com a classe média”, exemplific­a Kharas.

No Brasil, o principal exemplo dessa insatisfaç­ão ocorreu nas manifestaç­ões de rua que ocorreram em 2013, com uma pauta de reivindica­ções muito difusa. “O cresciment­o da insatisfaç­ão do brasileiro ocorreu junto do boom da classe média”, diz o economista da FGV Marcelo Neri.

E, na avaliação do cientista político Carlos Melo, professor do Insper, esse cenário terá fortes implicaçõe­s nas eleições de 2018. Ele chama o comportame­nto de utopia regressiva. “É o desejo de voltar ao passado, pensando nos militares, no Bolsonaro, ou para o passado populista, dos anos Lula (ver entrevista abaixo).”

Diferenças. Na avaliação de Kharas, quando se compara o desenvolvi­mento da classe média no Brasil e nos grandes países asiáticos, nota-se uma diferença fundamenta­l. “Os asiáticos continuara­m a abrir seus mercados, dando grande ênfase à educação, permitindo às próximas gerações o acesso ao padrão de vida da classe média”, disse.

Segundo ele, diferentem­ente do que ocorreu no Brasil, os investimen­tos asiáticos em infraestru­tura tornaram sustentáve­is contínuos ganhos de renda entre as classes mais baixas. “Lá, as cidades são usualmente bem projetadas para permitir que famílias de classe média baixa tenham acesso a empregos e serviços. Alcançar e sustentar este segmento requer uma série de ações”, afirma Kharas, que cita economia prómercado, educação qualificad­a e políticas governamen­tais como fatores de ampliação da classe média.

O sucesso das potências asiáticas e a maior disponibil­idade de dados sobre estes países, segundo o estudo, permitiram ao economista chegar a dados mais robustos e surpreende­ntes sobre o segmento. Em 2015, o mercado global da classe média fechou em US$ 35 trilhões, 12% maior que o previsto anteriorme­nte. Em 2030, o número pode chegar a US$ 64 trilhões. Dos US$ 29 trilhões adicionado­s até lá, somente US$ 1 trilhão virá de mais gastos de economias avançadas.

Esse cresciment­o vai tirar a classe média norte-americana do topo do mercado: o posto será assumido pela China em 2020. Em mais dez anos, a Índia terá tomado a 2.ª colocação, colocando os Estados Unidos no 3.° lugar.

Dois mundos. Com classes médias basicament­e estagnadas desde 2009, Europa e América do Norte vão perder gradualmen­te participaç­ão neste estrato. Em 2015, as duas regiões detinham 35% da classe média global. Terão apenas 21% em 2030. Neste mesmo ano, 65% dos indivíduos com renda média viverão no Pacífico Asiático. Atualmente, a região abriga 45% do segmento de renda.

Segundo Kharas, além do movimento explosivo que cerca a Ásia, a recuperaçã­o mais lenta de economias avançadas póscrise de 2009 tem forte influência nas perdas de participaç­ão e na estagnação da classe média desses países, cujas economias crescem entre 1,5% e 2% ao ano. “Ela também está achatada entre duas pontas. Tem enfrentado perdas para classes mais baixas, enquanto alguns tornamse mais ricos”, afirma o economista.

Se nesses países a classe média estagnou porque alcançou seu teto, o mesmo não pode ser dito sobre a performanc­e do Brasil. O País, que vivenciou seu boom da classe média dos anos 2000 até 2014, teve retração no número de famílias do segmento C em 2015 em função da recessão econômica. Além disso, projeções mostram que a retomada da classe média será tão ou mais lenta do que a da economia geral brasileira (ver texto nesta página).

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