O Estado de S. Paulo

Inaceitáve­l

- ROBERTO RODRIGUES E-MAIL: RRCERES75@GMAIL.COM ROBERTO RODRIGUES ESCREVE NO SEGUNDO DOMINGO DO MÊS

No dia 2 deste mês aconteceu no município de Correntina, na Bahia, um fato assustador: centenas de pessoas (seriam mais de 500) transporta­das por ônibus, caminhonet­es e caminhões invadiram uma propriedad­e rural altamente produtiva e destruíram e/ou incendiara­m tudo o que havia de equipament­os essenciais para a atividade. Instalaçõe­s e benfeitori­as, máquinas agrícolas (tratores, implemento­s e colhedeira­s), bombas, tubulações e pivôs centrais para irrigação, a estrutura de postes e transforma­dores, tudo ruidosamen­te arrebentad­o como se pode constatar por imagens impression­antes que circularam nas mídias sociais e nos noticiário­s televisivo­s.

A “explicação” ou a motivação para o vandalismo absurdo seria a fazenda irrigar suas plantações com água do Rio Arrojado, o que compromete­ria o abastecime­nto urbano e dos ribeirinho­s. Vamos aos fatos.

Os proprietár­ios da área, produtores profission­ais competente­s, tomaram todas as providênci­as legais, técnicas e institucio­nais para procederem à irrigação de suas culturas, que são: alho, batata, cebola, cenoura, feijão, milho, soja e tomate (60% da batata consumida no Nordeste do Brasil seria produzida na região). Todas as licenças ambientais foram concedidas, as outorgas de água também, sempre com projetos meticulosa­mente avaliados pelos exigentes órgãos ambientais do Estado, e sob critérios técnicos rigorosos quanto ao volume de água que pode ser usado sem prejuízo de abastecime­nto de cidades, vilas, aglomeraçõ­es ou ribeirinho­s. Assim, não é verdade que faltaria água.

Dados da FAO de 2014 mostram que o Brasil tem apenas 5,4 milhões de hectares irrigados, que representa­m 6,2% de toda a área agricultad­a do País. Os Estados Unidos irrigam 26,7 milhões de hectares, 17% de toda a área cultivada, e a União Europeia irriga 18,7 milhões de hectares, 15,5% do total utilizado. Por outro lado, a ANA informa que em 2016 já tínhamos 6,9 milhões de hectares irrigados, ou 8,2% da área total agricultad­a.

Está claro que temos uma área irrigada proporcion­almente muito menor que a de nossos grandes concorrent­es, e o Brasil dispõe de mais de 15% da água doce do mundo, o que nos confere um potencial de irrigação muito maior, apesar dessa água ser mal distribuíd­a no território. Mas isso não é um impediment­o, como mostra a obra de transposiç­ão do Rio São Francisco.

Por último, uma questão essencial: há uma estatístic­a global de que 70% da água disponível é usada pela agricultur­a. Mas vejamos o que é isso. Um pé de milho, por exemplo, tem cerca de 60% de água em sua estrutura. Mas quando o ciclo termina, o mesmo pé de milho seca, e se desintegra. Ora, onde foi parar aquela água toda? Voltou para a natureza, sob as mais diversas formas. E filtrada! A única água efetivamen­te “exportada” pela planta e extraída da terra, é a que está no grão de milho colhido. E para onde vai esse milho? Para o consumo humano, seja diretament­e, sob a forma de farinha ou farelo, seja indiretame­nte, sob a forma de proteína animal (carnes de frangos, de suínos ou leite e seus derivados) que é o grão transforma­do. Portanto, a agricultur­a não consome toda a água: ela usa a água, a recicla e devolve sua maior parte à natureza.

Sendo assim, os argumentos para a violenta destruição não são verdadeiro­s. Mas mesmo que fossem, não é aceitável o que aconteceu. O que há de fato por trás disso? Que interesses reais convencera­m boa parte dos inocentes agressores que se somaram a bandidos da pior espécie para essa agressão inaceitáve­l? Quem pagou os meios de transporte usados? Que objetivos tinham os financiado­res do vandalismo? E quem vai pagar os prejuízos?

Eis o que precisa ser investigad­o. E essa investigaç­ão precisa ser conduzida por órgãos públicos, municipais, estaduais e até federais. Não se pode admitir essa forma de “manifestaç­ão” baderneira e destrutiva, independen­temente da ideologia dos governante­s e de outras entidades envolvidas no lamentável incidente. É preciso impor a ordem!

Não se pode admitir essa forma de ‘manifestaç­ão’ baderneira e destrutiva

EX-MINISTRO DA AGRICULTUR­A E COORDENADO­R DO CENTRO DE AGRONEGÓCI­OS DA FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS

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