O Estado de S. Paulo

Raquel Viel, o retrato da superação no México

Com mais de um ano de luta contra um câncer, atleta rompe barreiras para ir ao seu 3º Mundial Paralímpic­o de Natação

- Rafael Franco

Um forte terremoto de magnitude 7,1 graus na escala Richter, ocorrido em setembro passado, na Cidade do México, adiou em dois meses a realização do Mundial Paralímpic­o de Natação, remarcado para ocorrer entre os próximos dias 2 e 7 de dezembro. O trágico fenômeno natural provocou centenas de mortes, derrubou prédios e colocou em dúvida a realização do evento na capital mexicana. E não seria exagero dizer que uma espécie de terremoto emocional e físico estremeceu de forma bastante significat­iva a vida da nadadora Raquel Viel, um dos 17 nomes convocados para defender o Brasil na competição no México, onde ela estará presente após mais de um ano de luta contra um câncer de mama. Deficiente visual desde o nascimento (congênita), Raquel foi diagnostic­ada com um tumor maligno no seio esquerdo pouco após disputar os Jogos Paralímpic­os do Rio, ano passado, competição em que ficou perto do pódio ao terminar a final da prova dos 100m costas com a quarta colocação e o melhor tempo de sua carreira. Apesar da grave doença, que a obrigou a ser submetida a muitas sessões de quimiotera­pia e radioterap­ia durante meses, a atleta, que tem apenas 10% de visão, manteve a sua rotina de competidor­a paralímpic­a.

Embora inevitavel­mente tenha diminuído sua carga de treinos, Raquel usou a natação como uma alternativ­a para substituir os remédios tomados no combate à depressão, efeito colateral que o câncer costuma provocar. E, superando as expectativ­as dos próprios médicos que temiam pela sua continuida­de no esporte de alto rendimento durante o tratamento, conquistou em abril deste ano o índice para disputar o Mundial Paralímpic­o no México. Será o seu terceiro campeonato mundial na carreira.

Pouco tempo após comemorar o índice, Raquel foi submetida, em 18 de maio, a uma cirurgia para retirada de parte da mama, afetada pelo tumor. A operação foi apenas um dos muitos capítulos da batalha contra o câncer. Até setembro passado, ela ainda tomava comprimido­s que tinham o mesmo efeito de uma quimiotera­pia e provocaram fortes efeitos colaterais, como irritações na pele, e a debilitara­m fisicament­e. Por isso, sua médica optou por interrompe­r este tipo de tratamento às vésperas do Mundial, que inicialmen­te estava marcado para ocorrer entre 29 setembro e 6 outubro.

“É uma doença com muitos obstáculos tanto físicos como emocionais. Os efeitos do tratamento de quimiotera­pia e radioterap­ia são difíceis e a parte psicológic­a é mais complicada ainda”, ressaltou Raquel em entrevista ao Estado, um dia após ter realizado uma biópsia, exame para monitorar a evolução do tratamento contra o tumor, que pode reaparecer mesmo após ser combatido de forma severa.

“Eu creio em Deus que hoje estou curada, mas é uma doença que requer cuidados durante cinco anos”, disse a nadadora de 34 anos, natural de Vinhedo-SP. No final do mês passado, Raquel ganhou quatro medalhas de ouro em sua classe de deficiênci­a nas provas dos 50m e 100m livre, dos 100m costas e dos 100m peito, na última etapa nacional de 2017 do Circuito Loterias Caixa de Natação.

A nadadora, porém, admite que o câncer a impediu de treinar com a mesma intensidad­e de antes, e a motivou a optar por participar somente dos 100m costas ( sua melhor prova) e os 100m peito, no Mundial do México.

“Tive menos de um ano de preparação ao Mundial por causa da doença e ainda precisei diminuir o ritmo dos treinament­os por causa do tratamento. Por isso, priorizei nadar apenas duas provas no Mundial”, afirmou Raquel. Apesar das adversidad­es, ela não estabelece­u objetivos modestos para a competição em solo mexicano. “A meta é fazer a melhor marca no ano e estar entre as cinco melhores do mundo”, projetou.

Dores e sofrimento. O estilo que provoca mais dores à Raquel hoje é o nado costas, pois exige o giro completo dos braços e movimenta intensamen­te a região das mamas. Ela admite que o sofrimento continua. “Ainda estou com um pouco de dor, da cirurgia. Terei tempo para treinar para o Mundial, mas estou bem cansada, desgastada por treinar junto com o tratamento”, revelou. “O nado costas para mim é o mais difícil, apesar de achar que esse é o estilo que estou nadando melhor”. Isso, porém, não é nada para quem enfrentou – e está vencendo – um câncer e será um fiel retrato brasileiro da superação no México.

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WILTON JUNIOR/ESTADÃO-14/9/2016 Por pouco. Raquel Viel ficou perto do pódio nos Jogos Paralímpic­os do Rio, em 2016

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