Oportunidade perdida
Odesfecho da reforma da Previdência lembra a frase otimista de Câmara Cascudo: “O Brasil não tem problemas, só soluções adiadas”. Ficou para depois. Olhando de longe, pode parecer que a aposentadoria precoce de uma reforma ampla não faz o menor sentido. Mas basta aplicarmos o enfoque econômico baseado na maximização de uma função-objetivo sujeita a custos e benefícios para encontrarmos alguma lógica neste desfecho aparentemente desarrazoado.
Há quatro personagens neste enredo, cada qual com objetivos distintos. O primeiro personagem, Temer, foi obrigado, depois da divulgação das gravações da JBS, a alterar sua rota. Seu objetivo, inicialmente, era ser citado com alguma indulgência nos livros de História do Brasil, diluindo sua enorme impopularidade atual. Isso exigia levar adiante reformas que mudassem a cara do País. O escândalo das gravações forçou uma mudança. Agora, trata-se de coisa mais básica: evitar ser despejado do Palácio do Planalto. Para isso, também foi necessário alterar a estratégia de negociação com o Congresso, o segundo personagem.
Do ponto de vista dos parlamentares, o objetivo primordial é garantir a reeleição. Logo, eles podem até aceitar votar medidas impopulares, desde que recebam em troca benefícios, na forma de cargos e liberações de verbas que mais do que compensem o impacto negativo que o apoio a mudanças nas regras de aposentadoria provocam sobre seu eleitorado. Também é fundamental para eles que medidas impopulares sejam propostas e aprovadas o mais rápido possível, já que contam com a memória curta dos seus eleitores. A posição relativa dos parlamentares melhorou bastante com a alteração do objetivo de Temer. No jogo da reeleição, eles ganharam um bônus e avançaram várias casas, já que agora podem ter acesso às oferendas do governo sem o fardo de votar uma reforma genuína da Previdência.
O terceiro personagem é o próprio ministro da Fazenda, que pode não voar alto, mas nem por isso deixa de se considerar um animal com asas. Seu objetivo é se resguardar. Sendo potencial candidato a presidente, para ele é conveniente agir com moderação, ou seja, pressionar pela reforma nem tão pouco que o faça desmerecer o apoio do mercado financeiro nem em excesso, a ponto de irritar seus possíveis eleitores em 2018. Colocar o cargo à disposição se a reforma não for aprovada, por exemplo, é cartada que não faz sentido neste contexto.
O último personagem desta trama é o próprio eleitorado. Ele não acredita que a reforma da Previdência seja necessária, como mostram as pesquisas. Seu objetivo é não pagar uma conta que julga não ser sua. Prefere acreditar que o profundo desequilíbrio fiscal que vivemos é só fruto da má gestão e da distribuição de privilégios – dos quais não se julga nunca titular. Para o eleitor, melhor também empurrar com a barriga.
É doce imaginar que todos deveriam pensar no País, mas fica mais fácil entender o que acontece no Brasil se assumirmos que cada personagem representa grupos de interesses que têm objetivos específicos, não necessariamente
Mudar a dinâmica que faz adiar a reforma da Previdência exige uma nova arquitetura institucional
convergentes. Do conflito entre esses objetivos resulta algum tipo de encaminhamento que pode ser benéfico ou danoso ao País. Muitas vezes, a forma de conciliar este conflito é avançar nos recursos do Estado, do que resulta um desequilíbrio fiscal crônico. Mudar essa dinâmica exige uma nova arquitetura institucional, o que inclui uma reforma política que não está à vista. Também não se vislumbra nenhuma liderança política forte o suficiente para convencer o eleitor de que o ajuste fiscal é imperativo – e que não poderá ser feito sem perda de direitos. Enquanto isso, vagamos à deriva, ao sabor dos ventos dos interesses organizados. Como dizia Roberto Campos, um lúcido pessimista, “o Brasil jamais perde a oportunidade de perder uma oportunidade”. Não será diferente desta vez.
ECONOMISTA, FOI DIRETOR DE POLÍTICA MONETÁRIA DO BANCO CENTRAL E PROFESSOR DA PUC-SP E DA FGV-SP. E-MAIL: LUISEDUARDOASSIS@GMAIL.COM