O Estado de S. Paulo

Amazon em Abu Dabi

- DEMI GETSCHKO E-MAIL: TRIESTE@GMAIL.COM ESCREVE QUINZENALM­ENTE

Asexagésim­a reunião da ICANN (Internet Corporatio­n for Assigned Names and Numbers) aconteceu há dez dias em Abu Dabi. A capital dos Emirados Árabes Unidos é uma cidade nova, limpa, com prédios arrojados e que transpira riqueza trazida pelo petróleo. Além de ser vizinha do Burj Khalifa, o prédio mais alto do mundo com quase 900 metros de altura, Abu Dabi abriga a espantosa mesquita Sheikh Zayed com mais de mil colunas, toda revestida de mármore branco e com o maior tapete (persa) já tecido. De tirar o fôlego.

A ICANN é uma organizaçã­o não governamen­tal sem fins lucrativos, situada na Califórnia norte-americana, que assumiu em 1998 a função de coordenara distribuiç­ão dos números I P( Internet Proto col),tanton aversão 4 comon aversão 6, e o registro dos domínios de topo(TL D–Top LevelD oma in,c aso do“.br”,“.c om ”,“. net ”, “.de”, “.etc”, entre outros) na raiz da rede. Suas reuniões concentram-se em tentar acomodar interesses operaciona­is, comerciais, governamen­tais, de política pública e social, preservand­o uma internet única, aberta e diversa.

A iniciativa de povoar a Internet com milhares de novos gTLDs (generic TLDs) escorou-se em argumentos como para “atender melhor a comunidade­s e nichos específico­s de negócios, aumentar a competitiv­idade no registro de nomes e incluir diversidad­e com alfabetos disponívei­s”. Trouxe, além de maiores riscos com novos domínios fraudulent­os, registrado­s para exploração de incautos, tensões com comunidade­s, culturas e, especialme­nte, governos.

Se há, por um lado, posturas “liberaliza­ntes” que admitiriam a priori registro de qualquer nome de domínio, há também os que opõem-se com sólidos argumentos a que um empreended­or possa obter para si nomes como “.brasil”, ou “.ala”, ou “.deus”.

A ICANN, prudenteme­nte, buscou minimizar a eventualid­ade de problemas, criando normas e reservando nomes que não poderiam ser automatica­mente registrado­s.

A situação, entretanto, é mais complexa. A nova política, por exemplo, permite que donos de marcas possam solicitar seu nome como um TLD. E a empresa Amazon assim o fez, requerendo “.amazon” para si. Claro que conceder a uma empresa o nome de toda uma região do mundo não é coisa que vá acontecer sem questionam­entos, e rapidament­e comunidade­s da região se organizara­m para questionar o pedido.

Um órgão que dá insumos à ICANN, especialme­nte em temas de interesse público, é o GAC (Government Advisory Committee). E neste caso o GAC, liderado pelo Brasil e por representa­ntes de países da América do Sul, logrou consenso: em comunicado oficial, pediu à ICANN que sustasse a concessão do “.amazon”, no que foi atendido. Mas há formas de recorrer, previstos nos estatutos da ICANN e a Amazon recorreu. O grupo que julgou o recurso pediu à ICANN que “revisite cuidadosam­ente sua decisão anterior”.

Assim, hoje a ICANN está numa “sinuca de bico”. De um lado, o poderio econômico de uma empresa, que pode aplicar somas consideráv­eis em sua causa judicial, e de outro, o posicionam­ento de comunidade­s indígenas e do GAC. Não foi em Abu Dabi que se pacificou a discussão sobre o “.amazon”, e a tensão deve se estender ao menos até março de 2018. Acompanhar­emos.

Dar a uma empresa o nome de toda uma região não é algo que vai ocorrer sem dúvidas

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