O Estado de S. Paulo

Encontro com um mestre

O gigante argentino da arte cinética ganha duas exposições em São Paulo

- Antonio Gonçalves Filho JULIO LE PARC Instituto Tomie Ohtake. R. Coropés, 88, tel. 2245-1900. 3ª. a dom., 11h/20h. Grátis. Até 25/2. Galeria Nara Roesler. Av. Europa, 655, tel. 2039-5454. 2.ª/6.ª, 10h/19h; sáb., 11h/15h. Abertura hoje, 25. Até 7/2.

O artista cinético Julio Le Parc, que revolucion­ou as artes nos anos 60, exibe suas obras em São Paulo.

O artista argentino Julio Le Parc, aos 89 anos, é um dos últimos remanescen­tes do histórico Groupe de Recherche d’Art Visuel (Grupo de Pesquisa de Arte Visual), ativo em Paris entre 1960 e 1968, que reuniu 11 dos mais famosos artistas cinéticos do mundo e provocou, em 1963, uma revolução estética ao criar, na Bienal de Paris, um labirinto de ambientes com instalaçõe­s de móbiles, luzes e relevos. Agora, meio século depois, Le Parc apresenta ao público paulistano algumas obras da época e outras mais recentes em duas exposições, que serão abertas hoje, 25, uma no Instituto Tomie Ohtake e outra na Galeria Nara Roesler, que representa o artista no Brasil.

Na retrospect­iva dedicada a ele pelo instituto Tomie Ohtake, Julio Le Parc: Da Forma à Ação, com curadoria de Estrellita B. Brodsky e consultori­a do filho do artista, Yamil Le Parc, estão reunidos trabalhos de várias épocas, cobrindo seis décadas de sua produção. A mais antiga é de 1958, ano em que Le Parc se instalou em Paris, um estudo bidimensio­nal em tinta e guache sobre papel. Lá, também está sua labiríntic­a instalação exibida na terceira bienal parisiense, em 1963, sequência de três ambientes que conduzem o espectador a uma experiênci­a psicodélic­a, para usar uma palavra em voga na época.

Le Parc não se mostra nostálgico. Lamenta que o mundo contemporâ­neo esteja reeditando aquilo que de pior os anos 1960 produziram, ou seja, ditaduras, censuraepe­rseguiçãoa­oinconform­istas. “Fico apreensivo com o avanço da extrema direita não só na Europa como no resto do mundo”, declara o artista, que chegou a ser expulso da França em maio de 1968, por participar do engajado Atelier Populaire, que congregou artistas militantes reunidos em protestos contra instituiçõ­es.

O artista já era, então, um nome internacio­nalmente reconhecid­o como um do precursore­s da arte cinética e da Op Art, ganhador do Grande Prêmio de Pintura da 33.ª Bienal de Veneza. Na época, Le Parc estava empenhado em eliminar os traços de composição subjetiva das obras construtiv­istas e incorporar o público numa experiênci­a estética interativa, sensorial. “Quando cheguei a Paris, em 1958, a arte da moda era o tachismo, a abstração lírica, informal, mas não era atraído por ela, e sim pela ordem de Mondrian”, lembra Le Parc, apontando telas da época, em preto e branco, alusivas ao sistema ortogonal desenvolvi­do pelo holandês Mondrian (1872-1944) e à progressão cromática do húngaro Victor Vasarely (1906-1997), líder do movimento ‘op art’.

A curadora da exposição do Instituto Tomie Ohtake, Estrellita B. Brodsky, esposa do presidente do Metropolit­an Museum de Nova York, Daniel Brodsky, trouxe para a retrospect­iva de São Paulo as mesmas 100 peças exibidas há um ano na grande mostra dedicada ao artista pelo Pérez Art Museum de Miami. “Por conta do interesse político e social de Le Parc, que sempre visou a participaç­ão do público, evitamos as intervençõ­es didáticas de exposições dessa natureza”, justifica Estrellita, cuja tese acadêmica é justamente sobre os artistas latino-americanos ativos em Paris nos anos 1960 (Le Parc, Soto, Cruz-Díez e outros).

Aliás, são ainda da época os motores que acionam o mecanismo das peças usadas nas obras das instalaçõe­s. “Eles são antigos, muito rudimentar­es, porque não tínhamos dinheiro para equipament­os sofisticad­os”, conta Le Parc, que conheceu e ficou amigo de artistas neoconcret­os brasileiro­s que passaram por Paris nos anos 1960 (Oiticica, Lygia Clark). A recuperaçã­o dessas obras e a exposição certamente não teriam sido possíveis sem o patrocínio de empresas como o Bradesco, o Instituto CCR e o apoio da AkzoNobel, B3 e Calvin Klein.

Na Galeria Nara Roesler, o público poderá complement­ar sua visão da obra de Le Parc vendo seus trabalhos mais recentes: dez pinturas em acrílica, da série Alchimie (2016/17), três esculturas do conjunto Torsion (2004) e a projeção Alchimie Virtuel, que ocupa o espaço central da exposição.

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AMANDA PEROBELLI/ESTADÃO Le Parc. Como num jogo de espelhos de um clássico filme de Orson Welles
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FOTOS INSTITUTO TOMIE OHTAKE Mestres. Alusão à ordem de Mondrian (E) e às vivas ondulações de Vasarely (abaixo)
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