O Estado de S. Paulo

Terra sem lei

- SUELY CALDAS JORNALISTA

São 340 assaltos por dia no Estado, 14 só em Copacabana; 2.718 homicídios no primeiro semestre; 150 carros roubados diariament­e, e seguradora­s rejeitam operações de seguro; de tantos furtos, caminhonei­ros recusam-se a entregar mercadoria­s na cidade; e bares e restaurant­es fecham as portas por falta de clientes, que temem sair de casa à noite e serem assaltados. A população do Rio de Janeiro vive com medo, sobressalt­ada e tem múltiplas histórias de violência vividas e contadas. Com serviços públicos em colapso, o Estado falido e 276 mil servidores com R$ 973 milhões em salários atrasados e sem receber o 13.º do ano passado, o governador Pezão resolveu gastar R$ 2,5 milhões para contratar um jatinho de luxo para servi-lo.

É a “terra sem lei”, como chamou a procurador­a-geral da República, Raquel Dodge. Uma terra de descalabro, abandono, mas também de revolta, muita revolta. Revolta contra quem deveria proteger a cidade contra o crime, mas são os primeiros a cometer os piores crimes de roubo, corrupção, desvio do dinheiro da saúde, da educação. Um escárnio com a população pobre que neles confiou o voto e os elegeu.

Três ex-governador­es presos, o atual investigad­o, um ex-prefeito da capital e o atual sob suspeita, a cúpula do Poder Legislativ­o também presa, deputados, ex-secretário­s de Estado, empresário­s comparsas, todos reunidos no banho de sol do Presídio de Benfica, deliciando-se com a sala de cinema particular montada com telão de TV, aparelhos de som e DVD e dezenas de filme na prateleira – a sala foi desativada depois que a imprensa denunciou mais este vergonhoso privilégio.

Já condenado a 72 anos de prisão e réu em mais 13 processos, o ex-governador Sérgio Cabral montou no Rio uma rede de crimes e cumplicida­de que superou em ousadia o PT do mensalão e do petrolão. Como o PT, tinha por objetivo financiar campanhas eleitorais e prolongar o tempo do grupo no poder. Para isso, ocupou funções-chave no Executivo, no Legislativ­o e no Tribunal de Contas do Estado (TCE). Este último levava propina para não ver as fraudes e aprovar as contas do governo. Dos 7 conselheir­os, 6 foram presos. Hoje, estão soltos e afastados da função.

Mas o objetivo maior era enriquecer os integrante­s do grupo. Só da Saúde e do Instituto de Traumatolo­gia e Ortopedia a gangue desviou R$ 500 milhões, além de vender precatório­s, isenções fiscais a empresário­s e desviar dinheiro de obras do Maracanã, do PAC das Favelas, do arco metropolit­ano e do Complexo Petroquími­co do Rio. A cada passo das investigaç­ões, mais prisões, como as dos últimos dias, que lotaram o Presídio de Benfica com a mulher de Cabral, Garotinho e a mulher Rosinha, o chefe do Poder Legislativ­o, Jorge Picciani (PMDB), e seus dois filhos, mais dois deputados, ex-assessores de Cabral e empresário­s amigos.

Outro dia o ministro da Justiça, Torquato Jardim, foi obrigado a desculpar-se por ter denunciado sociedade entre o comando da Polícia Militar e o crime organizado no Rio. Pois bem, na quarta-feira foi escalado para chefiar o Centro de Comando das UPPs o major Alexandre Frugoni, o mesmo que foi preso em outubro, em flagrante

O que será deste Rio de Janeiro desgoverna­do, cujos candidatos para 2018 não são nada animadores?

(depois solto), com drogas e armas com numeração raspada encontrada­s na UPP do Caju, que ele comandava. Mais: em operação patética e destemida, o diretor do Presídio de Benfica libertou Picciani e os deputados Paulo Melo e Edson Albertassi (voltaram no dia seguinte) sem nenhum alvará de soltura expedido pela Justiça. Dias antes, Albertassi havia sido nomeado pelo governador Pezão conselheir­o do TCE, também para não enxergar ilícitos nas contas do governo. Ou seja, mesmo presos e odiados pela população, eles continuam em ação.

O Rio só terá um novo governador em 2018. Falta um ano. Nada animadores, os candidatos são ou inexperien­tes ou investigad­os e comprometi­dos: Romário (PSB), Eduardo Paes (PMDB), Marcelo Freixo (PSOL), Bernardinh­o (Novo), Rodrigo Maia (DEM), Garotinho (PR) e Lindbergh Farias (PT). O que esperar deles?

Cidade de um povo amável e alegre, hoje revoltado e odiando os políticos, o que será deste Rio de Janeiro desgoverna­do?

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