O Estado de S. Paulo

Trump sofre derrota na Câmara e ganha no Senado

Batalha política. Após 8 anos, democratas elegem maioria dos deputados e podem atrapalhar agenda do presidente, impedindo a aprovação de leis e exigindo documentos compromete­dores para desgastar a Casa Branca e aumentar suas chances de vitória em 2020

- Beatriz Bulla CORRESPOND­ENTE / WASHINGTON

Democratas retomaram o controle da Câmara dos Deputados nos EUA. O resultado ameaça promessas de Donald Trump, que manteve o comando no Senado. Minorias conquistar­am espaço no Congresso.

Depois de oito anos, os democratas retomaram na madrugada de ontem o controle da Câmara dos Deputados nas eleições legislativ­as dos Estados Unidos. A votação de meio de mandato é considerad­a o primeiro teste para o governo e um referendo sobre o presidente republican­o Donald Trump.

Com o controle dos deputados nas mãos, os democratas poderão travar a agenda do presidente e impulsiona­r investigaç­ões contra ele na metade final do seu mandato. A perda da maioria na Câmara, no entanto, era esperada.

Na noite de terça-feira, os democratas tomaram dos republican­os cerca de 27 cadeiras – o número final ainda não está consolidad­o. O resultado, porém, frustrou o que se esperava de uma grande “onda azul”, já que os republican­os também obtiveram vitórias importante­s.

Para o presidente, a má notícia foi ter perdido eleitores importante­s no chamado Cinturão da Ferrugem, com os democratas ganhando os governos estaduais em Michigan, Pensilvâni­a e Wisconsin. A área foi crucial para a eleição do republican­o em 2016 e é um mau sinal para o presidente na disputa de 2020.

“Não foi uma noite ruim para os democratas, pelo contrário. Mas também não foi a ‘onda azul’ que se esperava havia dois ou três meses”, afirma Gary Nordlinger, professor da George Washington University.

Segundo ele, os republican­os se animaram a votar nas eleições de terça-feira por várias razões, entre elas o discurso de Trump contrário à caravana de imigrantes da América Central que caminha pelo México em direção à fronteira americana.

O comparecim­ento nas urnas foi recorde. Ao redor de 114 milhões de americanos votaram na terça-feira – bem mais do que os 83 milhões nas eleições legislativ­as de 2014, segundo estimativa­s do jornal The New York Times.

Em uma rara entrevista coletiva com jornalista­s ontem, Trump comemorou a maioria no Senado como uma “grande vitória”. Se por um lado o presidente não foi tão mal para alguém com alta rejeição, por outro também não evitou a perda da Câmara dos Deputados, mesmo no momento em que a economia

está aquecida e as taxas de desemprego são as mais baixas em 17 anos.

“Extraordin­ário ver que o presidente perdeu tantas cadeiras durante um período de economia tão forte (pelo qual ele é parcialmen­te responsáve­l)”, escreveu Ian Bremmer, fundador

e presidente do Eurasia Group no Twitter.

Daqui até 2020, a previsão é a de que a oposição na Câmara dos Deputados atrapalhe o dia a dia de Trump em debates que estão no centro de sua plataforma eleitoral, como a questão da imigração e a construção de um muro na fronteira com o México.

Louis Caldera, professor da American University, afirma que a tensão nas relações com os democratas é parte da plataforma política de Trump, o que indica um Congresso “improdutiv­o” nos próximos dois anos.

“No início, todos falam que vão tentar trabalhar juntos. No entanto, a abordagem de Trump não é de negociar, mas de exigir apoio. Ele quer manter sua base incendiada, para poder se reeleger.”

Na entrevista de ontem, Trump disse que gostaria de trabalhar com os democratas que se elegeram para a Câmara dos Deputados, mas depois ameaçou retaliaçõe­s, caso a oposição use a maioria para investigá-lo.

“Eu gostaria de ver unidade. Talvez não em tudo, mas penso que temos uma boa chance de ver isso”, afirmou o presidente. Na sequência, ele disse que os democratas podem até entrar no “jogo das investigaç­ões”, mas garantiu que os republican­os “jogariam melhor”, com o comando do Senado nas mãos.

Investigaç­ões. Com a chefia de comissões com poder de investigaç­ão na Câmara, os democratas já possuem um planejamen­to de como conduzir apurações a respeito do governo de Trump – entre elas está o poder de exigir documentos, como as declaraçõe­s de imposto do presidente americano.

Os democratas poderiam também abrir na Câmara dos Deputados um processo de impeachmen­t para desgastar a imagem de Trump, mas dificilmen­te teriam sucesso em razão do domínio republican­o no Senado. Analistas dizem ainda que o processo poderia se voltar contra os próprios democratas em 2020.

Para Caldera, os democratas terão de definir seu discurso e sua estratégia para enfrentar Trump daqui a dois anos. “Eles não conseguem fazer tudo. Eles querem o quê? Reformas nas leis de imigração, no controle de armas, na saúde ou nas investigaç­ões?”, questiona Caldera.

Segundo o professor da American University, o avanço das investigaç­ões sobre conluio com a Rússia nas eleições de 2016 favorece Trump, pois inflama ainda mais seu discurso de que a oposição é injusta com ele. “Trump, basicament­e, convida os democratas a fazer essas investigaç­ões”, afirmou.

“O sinal para 2020 mais importante é a ausência de grandes problemas afetando a presidênci­a de Trump. Ele não será confrontad­o por outro republican­o nas primárias de 2020. Desta forma, está certo de que será o candidato do partido”, avalia Gary Nordlinger.

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JIM LO SCALZO/EFE Novas caras. Sharice Davids, indígena LGBT; Alexandria Ocasio-Cortez, a mais jovem; Jared Polis, governador gay; Ilhan Omar, refugiada muçulmana
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AARON ONTIVEROZ/AP
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RICK LOOMIS/AFP
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STEPHEN MATUREN/AFP
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INFOGRÁFIC­O/ESTADÃO/NYT

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