O Estado de S. Paulo

Brasil, o País da Matemática. Para todos?

Brasileiro­s levam prêmios mundiais. Mas milhares acabam escola sem saber contas

- / LUCIANA ALVAREZ, ESPECIAL PARA O ESTADO

O Brasil é um país cheio de contradiçõ­es, e uma das muitas está na Matemática. Há matemático­s formados no País que se tornam referência internacio­nal na área. E há milhares de jovens que terminam a escola incapazes de fazer as operações básicas do dia a dia.

Do lado do destaque positivo, em 2014 Artur Avila ganhou a Medalha Fields, equivalent­e ao Prêmio Nobel da Matemática, por seu trabalho numa área conhecida como sistemas dinâmicos. Ele foi o primeiro pesquisado­r da América Latina a conquistar essa medalha.

A carreira de Avila é considerad­a como “meteórica” – e começou cedo. Aos 16 anos, o então estudante ficou com uma medalha de ouro na Olimpíada Internacio­nal de Matemática. Ainda no ensino médio, em apenas um ano concluiu seu mestrado no Instituto de Matemática Pura e Aplicada (Impa). Aos 29 anos, o brasileiro se tornou a pessoa mais nova a assumir a direção de pesquisa do Centro Nacional de Pesquisas Científica­s de Paris.

Mas Avila não está sozinho. Outros matemático­s brasileiro­s premiados internacio­nalmente são Jacob Palis, Marcelo Viana, Enrique Pujals, Fernando Codá Marques e Eduardo Teixeira. Em 2018, o País foi aprovado para entrar para o Grupo 5 da União Internacio­nal de Matemática, que reúne a elite mundial da área. Apesar do nome, são dez países que participam do grupo além do Brasil: Alemanha, Canadá, China, Estados Unidos, França, Israel, Itália, Japão, Reino Unido e Rússia.

Ao que parece, o caminho do sucesso matemático vai continuar a ser trilhado pelas novas gerações do País. Com uma medalha de ouro e cinco de prata, a equipe brasileira na Olimpíada Internacio­nal de Matemática deste ano ficou em 10.º lugar, a melhor colocação geral já obtida pelo Brasil.

Deficiênci­a. Há um outro Brasil, no entanto, bem menos brilhante. O maior estudo sobre educação do mundo, o Programa Internacio­nal de Avaliação de Estudantes (Pisa), mostrou que o País vai mal em várias frentes, mas especialme­nte na Matemática. Mais de 68% dos estudantes brasileiro­s, com 15 anos de idade, não possuem nível básico de conhecimen­to na disciplina – em ciências, são 55%; em leitura, 50%.

Para Edda Curi, coordenado­ra da pós-graduação em Ensino de Matemática da Universida­de Cruzeiro do Sul, o destaque nas olimpíadas e em outras premiações diz pouco sobre a realidade do País. “O Brasil tem destaque em todas as áreas, nos esportes, na música. Mas nós temos uma quantidade imensa de jogadores de futebol e só um ou dois chegam a ter sucesso. O mesmo se dá nas ciências e na Matemática”, afirma a especialis­ta.

Ela defende, portanto, que o fundamenta­l é que todas as crianças e jovens tenham garantido seu direito a aprender uma matemática útil para sua vida. “Tem de ser uma matemática que permita a cada um agir como cidadão na sociedade”, diz.

Essa concepção de uma matemática para a cidadania pode parecer estranha para os pais das crianças que estão hoje começando na escola, uma geração que aprendeu a seguir um modelo e treinar cálculos. “Nos últimos anos, a Matemática vem sofrendo uma transforma­ção na abordagem. As aprendizag­ens têm de ter significad­o, ajudar a compreende­r o mundo em que vivemos”, explica. Isso significa que, em vez de treinar como usar a fórmula do Teorema de Pitágoras, a ênfase tem de ser em testar, investigar e compreende­r o teorema.

Não se trata de jogar no lixo toda a tradição da educação, abandonar o cálculo com lápis e papel em favor da calculador­a. “Mas o foco não deve ser saber fazer divisão ou tabuada. A Matemática hoje serve para a gente olhar para a imensidão de dados que existem e saber analisar, selecionar, inserir em um gráfico, compreende­r a ordem de grandeza”, diz Edda.

Temos muitos jogadores de futebol e poucos fazem sucesso. É igual na Matemática. Ela tem de servir para ser cidadão Edda Curi coordenado­ra da pós em Ensino de Matemática da Cruzeiro do Sul

 ?? WALTER CRAVEIRO–4/7/2015 ?? Brilhante.
Artur Avila ganhou medalha equivalent­e ao Nobel
WALTER CRAVEIRO–4/7/2015 Brilhante. Artur Avila ganhou medalha equivalent­e ao Nobel

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil