O Estado de S. Paulo

O que está em jogo no crédito de carbono

- CELSO MING E-MAIL: CELSO.MING@ESTADAO.COM / COM GUILHERME GUERRA

AUnião Europeia propõe a cobrança de uma “taxa de carbono” dos países poluidores, conforme projeto encaminhad­o no dia 17 à Organizaçã­o Mundial do Comércio (OMC). Não ficou claro como a decisão poderia ser colocada em prática, mas deve ser interpreta­da como pressão para que as cláusulas do Acordo de Paris comecem a fazer efeito.

Há pelo menos 30 anos já existe o chamado “mercado de carbono”, cujo objetivo é conter a emissão de gases causadores de efeito estufa, especialme­nte o monóxido de carbono, CO, e o dióxido de carbono, CO2.

Trata-se de uma espécie de multa a poluidores, acoplada a incentivos para produtores ecologicam­ente corretos. Ganhou força a partir de 2015, quando foi protocolad­o o Acordo de Paris por 195 países, destinado a reduzir as emissões desses gases com metas fixadas até 2030. Mas está demorando a pegar.

Informaçõe­s do Fundo Monetário Internacio­nal e do Banco Mundial dão conta de que os preços cobrados estão muito abaixo do ideal para que as metas sejam cumpridas. A média mundial é de US$ 2 por tonelada de carbono emitida na atmosfera, quando as organizaçõ­es multilater­ais recomendam entre US$ 50 e US$ 100 para cada tonelada de CO2. Além disso, somente 61 países, Estados ou municípios adotaram tais políticas – o que é muito pouco para que produza efeito em escala.

A precificaç­ão das emissões de carbono pode acontecer de duas maneiras. Ambas passam pela definição de metas de redução imposta pelos governos, cujo objetivo é garantir que a descarboni­zação seja atingida sem onerar o mercado e sem desarranja­r a economia.

A primeira é a tributação: um imposto é cobrado a cada tonelada de carbono emitida que exceder o limite estabeleci­do. Alguns países da Europa seguem esse modelo, bem como Canadá, México, Colômbia, Chile e Argentina. A Suécia impõe a taxa mais alta, de US$ 119 para cada tonelada de CO2.

Outra opção é o sistema de mercado de carbono. O governo cria um sistema de créditos e as empresas que ficarem dentro dos limites dados têm direito a esses créditos. As que não atingirem podem adquiri-los. Alemanha, China, Coreia do Sul, Austrália e Nova Zelândia adotaram esse sistema.

E não são apenas os países que estão comprometi­dos. Até 2017, cerca de 1.600 empresas de diversos setores afirmam que já adotaram o sistema ou que têm intenção de adotar em dois anos iniciativa­s de precificaç­ão de carbono, de acordo com relatório da CDP, organizaçã­o internacio­nal sem fins lucrativos. Na lista de precificaç­ão já em vigor estão a japonesa Nissan, a sul-coreana LG, a francesa Renault, as alemãs BMW e Volkswagen, a suíça Nestlé, a britânica Unilever e a americana Disney. Pequenas e médias empresas podem participar desse comércio, não importa a área de atuação.

O setor privado não tem poder de ditar as regras do jogo, tarefa que é dos governos. É desse mal que sofre o Brasil. Há empresas consciente­s da necessidad­e de preservar o meio ambiente e que já estabelece­m metas voluntária­s, como a Natura, Petrobrás e Braskem. Mas, sem a regulament­ação, esse esforço é unilateral e deixa de fora os concorrent­es.

O Ministério da Economia, em parceria com o Banco Mundial, estuda como adotar uma política de precificaç­ão de carbono no País por meio de um grupo chamado Partnershi­p for Market Readiness (PMR) Brasil. Um relatório final deve ser entregue ao ministro Paulo Guedes até o final deste ano, mas já ficou decidido que haverá um sistema de comércio de emissões, e não a implementa­ção de um imposto verde.

“Um tributo sobre o carbono é inadequado porque tem natureza arrecadató­ria, enquanto o mercado de carbono busca a neutralida­de fiscal”, aponta Gustavo Fontenele, coordenado­r de Economia Verde da Secretaria Especial de Produtivid­ade, Emprego e Competitiv­idade do Ministério da Economia.

Se o governo adotar as recomendaç­ões e os trâmites de aprovação no Congresso forem realizados com rapidez, espera-se que uma transição de testes leve três anos, com início já em 2021. Fontenele reafirma que a equipe técnica do PMR Brasil tem condições de cumprir os prazos, mas ele observa que cabe ao ministro Guedes e ao Congresso dar celeridade às mudanças.

A gerente de clima do instituto de pesquisa WRI Brasil, Viviane Romeiro, reforça que não basta ter um corpo técnico; é preciso, também, vontade política para fazer acontecer a precificaç­ão do carbono.

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MARCOS MÜLLER/ESTADÃO
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