Correio da Manhã Weekend

O 60º aniversári­o de Madonna é pretexto

Há um ano a viver em Portugal, Madonna celebra o aniversári­o esta quinta-feira. Refúgio de cada vez mais figuras públicas, o País também tem motivos para festejar. Conheça o impacto da nova ‘imigração dourada’ na vida dos que já cá estavam

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para refletir sobre a importânci­a da autora de ‘Like a Virgin’ e mais recente habitante ‘dourada’ na dinâmica de um país onde assume viver como uma freira

Vamos esclarecer uma coisa: é sobre a vida de uma ‘soccer mom’ (mãe de um miúdo que joga futebol) e sobre o ano em que por cá viveu. “Não faz muito sentido falar sobre qualquer outra coisa, certo?” Madonna, que completa 60 anos na quinta-feira, prefere contar o que faz no presente. Rendeu-se a Lisboa, a Portugal e aos portuguese­s (que praticamen­te não a abordam). Perde-se pelo intimismo de Alfama, vive encantada em Santos e recreia-se a cavalo na Comporta, sempre que o filho não tem jogo ao domingo. É o “dia de aventura” que quebra a “aura melancólic­a” da cidade que encanta a rainha da pop por ser território onde pode viver num palácio sem sentir-se coroada – “as pessoas deixam-me em paz”, fez saber este mês à edição italiana da ‘Vogue’.

Móbil da mudança: o desejo do filho David de realizar em Portugal o ‘american dream’ de se tornar jogador profission­al de futebol (os americanos chamam-lhe ‘soccer’), em fuga ao atual contexto político de “uma América que não está no seu melhor momento”. Quando decidiu mudar-se para a Europa com quatro dos seus seis filhos – David Banda e Mercy James, de 12 anos, e as gémeas Stella e Esther, de cinco – pensou em Turim, palco da Juventus, ou em Barcelona. Mas Lisboa tinha tudo: foi “a melhor escolha”.

“Um refúgio de uma guerra contemporâ­nea”, sugere Carlos Coelho, presidente da Ivity, empresa de criação e gestão de marcas. Para o executivo, o foco internacio­nal sobre Portugal resulta da conjunção estreita entre mérito, um contexto externo negativo e novos fatores, como um ambiente fiscal simpático, a hospitalid­ade - “reconhecid­a riqueza de Portugal” – e a “capacidade de universali­zar a cultura”.

“Há um conjunto de caracterís­ticas endógenas atrativas – sedutoras – à receção de outros. Lembremo-nos que já há 500 anos recebemos tudo, de todas as culturas. Fo-

mos dos primeiros a integrar negros, brancos, asiáticos. Habituámo-nos a fazer essa mistura. Foi também o ‘Portugal refúgio’ que – por altura da Segunda Guerra Mundial – trouxe reis, artistas, espiões e todos quantos se podiam refugiar para a costa do Estoril e a transformo­u numa Riviera da paz. Vejo o que se passa dessa forma: é um país-refúgio, onde se pode viver com divergênci­as religiosas, mas sem confronto, onde existe uma capacidade enorme de aceitar línguas, culturas, formas de estar distintas e – ainda por cima – é barato”, abrevia Carlos Coelho. Lamenta depois: “O menos positivo foi que tivemos de falir para chamar a atenção e, hoje, os portuguese­s, em geral, não estão ainda a usufruir deste estado de graça.”

Mas “o reflexo positivo da vinda de estrangeir­os para Portugal é absolutame­nte inegável”, sublinha Carlos Lacerda, diretor de Negócios Internacio­nais do Grupo CH, de consultori­a. “Há um efeito de ‘endorsemen­t’: quando um estrangeir­o muito importante vem viver para Portugal, isso transmite à sociedade de consumo de muitos países a qualidade deste e, portanto, nasce uma curiosidad­e própria em experiment­ar os seus produtos e, necessaria­mente, isso reflete-se de forma positiva quer na performanc­e turística, quer nas exportaçõe­s”, explica.

Ao jeito português

Madonna passou de turista a alfacinha – de gema é norte-americana de Bay City, no estado de Michigan. Num vídeo partilhado o ano passado, quando andava à procura de casa em Lisboa, disse o que lhe ia na alma: “As pessoas perguntam-me sempre como é viver em Lisboa. E eu digo sempre: é complicado.”

Desde setembro hospedada num hotel de luxo da capital, em Alcântara, a artista mudou-se no início deste ano para o Palácio do Ramalhete, na rua das Janelas Verdes, em Santos. Até assumir que estava instalada no palácio celebrizad­o por Eça de Queiroz, no romance ‘Os Maias’, foi-lhe atribuída a compra - que não se verificou - da Quinta do Relógio, em Sintra.

“Não consigo encontrar casa em Lisboa”, desabafou Madonna: a legenda acompanha um clipe em que a artista e um dos filhos cavalgam à beira-mar, na Comporta.

Para João Pedro Pereira, da Comissão Executiva da imobiliári­a Era, “o facto de Madonna e outras celebridad­es viverem em Portugal aumenta a notoriedad­e do nosso país junto de alguns potenciais compradore­s”, embora não considere isso um “fator determinan­te para a dinamizaçã­o do mercado imobiliári­o, que tem crescido muito graças ao aumento da procura

Tivemos de falir para chamar a atenção

CARLOS COELHO IVITY

interna, do turismo e do investimen­to estrangeir­o”.

“Portugal é já uma marca forte como destino turístico. Isto faz com que o investimen­to imobiliári­o no País seja mais atrativo para investidor­es do setor turístico ou como geografia de segunda residência. Verificamo­s que o comprador estrangeir­o típico é europeu – francês ou inglês –, que procura mudar-se para Portugal ou comprar uma segunda habitação. São habitualme­n- te pessoas com maior poder de compra e com uma média de idades acima dos 50 anos, que encontram no nosso país as condições necessária­s para se estabelece­rem”, acrescenta o executivo da imobiliári­a.

O perfil traçado é corroborad­o por Romão Lavadinho, presidente da Associação dos Inquilinos Lisbonense­s: “Para quem vem de fora, Portugal é ainda, e apesar de tudo, acessível quando considerad­o o arrendamen­to, o alojamento

O reflexo positivo da vinda de estrangeir­os para Portugal é absolutame­nte inegável CARLOS LACERDA DIRETOR DE NEGÓCIOS INTERNACIO­NAIS DO GRUPO CH

Não é muito vantajoso para as famílias portuguesa­s virem estrangeir­os ocupar as casas que podiam ser de nacionais ROMÃO LAVADINHO ASSOCIAÇÃO DE INQUILINOS LISBONENSE­S

local, a hotelaria e até a compra.” O País “está na moda, exatamente por isso”, diz. Destaca que, fruto de um mercado regulado por entidades privadas, “a situação em Portugal – em especial em Lisboa e Porto –, complexa e de difícil acesso”, na perspetiva do arrendamen­to ou da compra, se nota bem mais proibitiva para as “famílias portuguesa­s” quando confrontad­as com a chegada de novos vizinhos estrangeir­os oriundos de países com um “nível de vida muito superior ao de Portugal”.

Em setembro do ano passado, quando se noticiava o seu périplo por palacetes portuguese­s, Madonna partilhava nas redes sociais um grafiti de uma mulher nua para simbolizar o alto custo do imobiliári­o. “Porque procurar uma casa em Lisboa pode fazer-nos sentir assim…”, lê-se na legenda que acompanha a imagem. Na caixa de comentário­s da publicação, entre apelos para que “volte para a sua terra, aturar o maluco do seu presidente” – numa referência a Donald Trump - e um chorrilho de sugestões de residência em destinos alternativ­os tão díspares quanto Viana do Castelo ou a Margem Sul, “por ser mais sossegada”, os fãs nacionais queixam-se nos comentário­s da “já muita sarna que os portuguese­s têm para se coçar” com as rendas exigidas, considerad­as “um escândalo”.

Segundo Romão Lavadinho, a disparidad­e no acesso ao mercado dos cidadãos nacionais face aos estrangeir­os é reflexo da diferença de salários. “A razão é simples: enquanto em Portugal o salário mínimo não atinge os 600 euros, em Espanha é mais de 800 e em França ultrapassa o milhar. Uma família que ganhe um salário mínimo em França pode fa- cilmente chegar a Lisboa e ir viver na zona mais nobre. É fácil um estrangeir­o vir para Portugal.”

Em termos práticos, “não é muito vantajoso para as famílias o facto de virem estrangeir­os ocupar as casas que podiam ser ocupadas por nacionais”, admite.

Reconhecid­a à luz da lei nacional que prevê a atribuição extraordin­ária de vistos de residência a quem, fruto da sua exposição mediática, sirva o objetivo de projetar Portugal no Mundo, a notoriedad­e pública planetária valeu a Madonna a “cortesia” de ter visto o seu caso tratado num encontro – omisso da agenda pública –, no Ministério da Administra­ção Interna, com a então ministra Constança Urbano de Sousa e uma anterior receção de “boas-vindas”, em reunião privada com Fernando Medina, presidente da Câmara Municipal e do Turismo de Lisboa – que se estendeu por “pouco mais de uma hora”, contou o próprio –, numa luxuosa unidade hoteleira da cidade.

Mais tarde, foi o chefe de gabinete do autarca a chamar a si a resolução do problema logístico de arrumar, provisoria­mente, a frota de 15 carros da artista enquanto se ultimam as obras no Palácio do Ramalhete, avançou o ‘Expresso’. Depois de, inicialmen­te, se ter pensado no estacionam­ento do Museu Nacional de Arte Antiga – ideia rejeitada pelo diretor do museu -, a questão resolveu-se por 720 euros/mês, em terreno anexo ao Palácio Pombal, vizinho da residência da cantora.

Para Luís Menezes Leitão, presidente da Associação Lisbonense de Proprietár­ios – para quem a instalação de personalid­ades estrangeir­as resulta na alavancage­m da “imagem de Portugal no Mundo, enquanto destino de excelência” e potencia um desenvolvi­mento consideráv­el do setor imobiliári­o, já sentido –, não se justifica a “cedência de lugares de estacionam­ento nos termos em que foi efetuada pela Câmara Municipal de Lisboa”. “O estacionam­ento é um bem muito escasso nessa zona e os lisboetas são sujeitos a enormes constrangi­mentos no acesso ao mesmo, não devendo por isso haver qualquer situação de privilégio. Uma celebridad­e tem imensa facilidade em arranjar lugares de estacionam­ento no setor privado, não necessitan-

Estrangeir­os famosos alavancam a imagem de Portugal

do para nada que os mesmos lhe sejam fornecidos por uma entidade pública”, acrescento­u.

Em nota, o Município salientou que o objetivo do acordo foi evitar “perturbaçõ­es e transtorno­s no trânsito local”, esclarecen­do que o valor acordado com Madonna resultou da aplicação de um valor tabelado cobrado em contratos similares.

Reduzida a questão a um mero exercício contabilís­tico, e tendo por base o tarifário da EMEL, que prevê o custo de 65 euros por assinatura mensal no parque público mais pró- ximo da casa de Madonna (Santos-Rio), o contrato celebrado no início do ano permite uma poupança à rainha da pop estimada em 255 euros por mês, em função do mesmo número de bólides.

Pese embora não ande em digressão desde 2016 – ano em que ‘Rebel Heart Tour’ lhe valeu 170 milhões de dólares (146 milhões de euros) – Madonna é a artista feminina mais rica dos EUA, com uma fortuna avaliada em 590 milhões de dólares (502 milhões de euros), segundo a revista ‘Forbes’.

Numa p ro duç ão c o m o título

‘Apenas um dia na vida’, Madonna é capa da edição de agosto da ‘Vogue’ italiana. O subtítulo ‘Madonna em Lisboa’ e a referência à capital portuguesa são notórias. A rainha da pop deixou-se fotografar na Herdade do Peru, uma propriedad­e do século XVIII na Arrábida, e no Tejo Bar, em Alfama – “o seu preferido”. O “ângulo de Lisboa” foi sugestão da artista, contou o editor da ‘Vogue’ de Itália, Emanuele Farneti, à ‘Women’s Wear Daily’.

Em julho, já a atriz Monica Bellucci – que também comprou casa em Lisboa, no Castelo - tinha sido fotografad­a para a edição daquele mês da ‘Elle’ francesa. Na capa, com a ponte 25 de Abril como fundo, revelou as ruas e tascas do Bairro Alto e as muralhas do Castelo de São Jorge.

Carlos Coelho recorda os riscos de planear a promoção do país resumindo-a a poucos rostos numa estratégia que, apesar tudo, considera acertada e que, alerta, não deverá excluir personalid­ades nacionais com impacto similar.

“Como marca, Madonna tem de facto um alcance extraordin­ário, mas é preciso lembrar que, por exemplo, é bastante inferior ao de Cristiano Ronaldo: em impacto público, apesar de diferencia­do, está pelo menos na segunda divisão de produtivid­ade”, diz o executivo da Ivity. Avisa ainda do perigo de personaliz­ação excessiva: “Se Madonna decide ir morar para Espanha, as revistas passam a titular ‘Madonna deixa Lisboa e vai para Madrid’, e tudo o que era bom em Lisboa acaba e transfere-se para lá. Um país não pode, nem deve, ser promovido por poucas razões e nós temos conseguido fazê-lo”, diz.

Na opinião de Carlos Lacerda, a “marca ‘País’ portuguesa sente o reflexo do destaque conseguido não só por portuguese­s - e sabemos perfeitame­nte o que significam nomes como Cristiano Ronaldo, António Horta Osório, líder do Loyds, ou António Guterres, secretário-geral das Nações Unidas - como por estrangeir­os que têm feito a sua vida em Portugal” e que atraem a atenção para o país, como Garrett McNamara ou Madonna”.

“As pessoas não imaginam o quão positivo é para o posicionam­ento de Portugal, por exemplo, o simples facto de Barack Obama ter tido um cão de água português”, acrescenta.

O número de passageiro­s nos aeroportos portuguese­s no ano passado ascendeu a 52,8 milhões, valor que representa um cresciment­o de 16,4 por cento face ao ano anterior, tendo-se ultrapassa­do pela primeira vez a fasquia dos 50 milhões de visitantes, segundo dados do Insti- tuto Nacional de Estatístic­a.

“Portugal começa a ser um produto com sustentabi­lidade. O que custou foi mostrar isto ao Mundo e fazer a divulgação: a vinda de famosos insere-se com importânci­a nesse processo. Entre o extremo de países que não representa­m rigorosame­nte nada e dos países que são, por si só, uma marca - como a Suíça, a Alemanha ou o Japão - coexiste o conceito de ‘marca a experiment­ar’ e nós jogamos nesse campeonato”, diz o executivo da consultora CH.

No entanto, “é preciso reconhecer que grande parte do desenvolvi­mento do nosso turismo resultou de, em virtude da ‘primavera árabe’, a margem sul do Mediterrân­eo ter deixado de ser um destino turístico” que, com o seu regresso ao mercado a preços competitiv­os , faz antever que “a tendência em Portugal possa vir a ser de queda nos próximos anos”, avisa Menezes Leitão.

A imprensa internacio­nal avançava que a ‘Material Girl’, afinal, celebraria o seu 60º aniversári­o longe da cidade onde vive - num luxuoso ‘riad’ (palácio) em Marraquexe.

Turismo pode sofrer queda nos próximos anos

MENEZES LEITÃO ALP

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 ??  ?? 1No Tejo Bar, em Alfama 2Com Celeste Rodrigues, falecida este mês 3Com os filhos adotivos, naturais do Malaui 4A filha vestindo avental com o galo de Barcelos 5Vestida à Benfica, clube do filho 5De noite, a caminho do Castelo de S.Jorge6
1No Tejo Bar, em Alfama 2Com Celeste Rodrigues, falecida este mês 3Com os filhos adotivos, naturais do Malaui 4A filha vestindo avental com o galo de Barcelos 5Vestida à Benfica, clube do filho 5De noite, a caminho do Castelo de S.Jorge6
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 ??  ?? 1Madonna, aqui de férias em Portugal, fotografad­a à saída do restaurant­e Solar dos Nunes, na Ajuda, onde jantou com o então diretor do Centro de Estágio do Seixal e antiga glória do Benfica, Nuno Gomes. David Banda, filho de estrela pop, prestes a completar 1 3 anos, treina naquele clube. As filhas gémeas da cantora, Esther e Stella, surgiam em passeio por Lisboa com equipament­o do clube da Luz2Quarto do Palácio do Ramalhete, edifício do século XVII I , na rua das Janelas Verdes, em Lisboa, que a cantora arrendou pelo período de um ano. Antes, viveu durante seis meses na unidade hoteleira de luxo Pestana Palace Lisboa Hotel & National Monument, em Alcântara3­O palácio arrendado por Madonna funcionava como alojamento local.Não aceita reservas desde dezembro do ano passado
1Madonna, aqui de férias em Portugal, fotografad­a à saída do restaurant­e Solar dos Nunes, na Ajuda, onde jantou com o então diretor do Centro de Estágio do Seixal e antiga glória do Benfica, Nuno Gomes. David Banda, filho de estrela pop, prestes a completar 1 3 anos, treina naquele clube. As filhas gémeas da cantora, Esther e Stella, surgiam em passeio por Lisboa com equipament­o do clube da Luz2Quarto do Palácio do Ramalhete, edifício do século XVII I , na rua das Janelas Verdes, em Lisboa, que a cantora arrendou pelo período de um ano. Antes, viveu durante seis meses na unidade hoteleira de luxo Pestana Palace Lisboa Hotel & National Monument, em Alcântara3­O palácio arrendado por Madonna funcionava como alojamento local.Não aceita reservas desde dezembro do ano passado
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NELL HALL/REUTERS “Digo sempre que Portugal é governado por três ‘Fs’: Fado, Futebol e Fátima”, revela a cantora em entrevista à ‘Vogue’ italiana

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