Destak

«A minha igreja preferida é o cinema»

Ícone incontonáv­el dos anos 90 do século XX, Ethan Hawke sempre se centrou no seu ofício, deixando de lado o glamour efémero. Agora surge de forma fulgurante num dos papéis da sua vida em “No Coração da Escuridão”.

- JOHN-MIGUEL SACRAMENTO, em Hollywood

Ethan Hawke poderá estar a passar, neste momento, por uma espécie de renascença. Tem tantos filmes na calha, seja como ator ou como realizador. A carreira dele, como se sabe, nunca subiu aos cumes da fama que vemos nalguns dos seus colegas. Nunca, como Leonardo di Caprio, foi considerad­o uma grande estrela que já vinha trabalhand­o desde criança. Nunca, como Ben Affleck, conseguiu triunfar na realização ou nos Óscares. Nunca, como Tom Cruise ou Matt Damon, logrou transitar para a adoração geral que vem naturalmen­te com os filmes de ação feitos com orçamentos gigantesco­s. Parece que Ethan Hawke tem preferido passar debaixo do radar. Depois de ter sido descoberto para o mundo com O Clube dos Poetas Mortos, apareceu adulto numa série de obras memoráveis. Fez de rebelde patusco no Reality Bites, namorou a Julie Delpy na série de viagens que começou com o Before Sunrise, participou com Richard Liinklater na maratona Boyhood, e fulminou o ecrã ao lado de Denzel Washington em Training Day. Não quer sobressair. Quer apenas fazer parte de contos que nos digam alguma coisa. Esta semana, pelas mãos sempre complexas do realizador e argumentis­ta Paul Schrader – o mesmo que escreveu Taxi Driver e outros clássicos sagrados – o ator aparece agora a fazer de líder espiritual numa cidadezinh­a perdida no mapa. Seguese um percurso dorido que tem tanto de inquietaçã­o como de redenção moral. Dá a ideia que gosta de trilhar a linha fina separando o milagre da felicidade e a tragédia que é fazer parte da humanidade.

É uma pessoa religiosa?

A religiosid­ade acaba por ser um conceito bastante esquisito porque, quando vamos a ver bem que ligação existe entre ele e cada pessoa em particular, as impressões variam. Há gente que olha para as diferentes práticas religiosas no mundo e vê apenas aspetos positivos. Outras pessoas, pelo contrário, darão ao termo uma conotação mais negativa. A minha igreja preferida continua a ser o cinema, a arte, o teatro, o rock n’roll.

Por outro lado, se eu disser que não sou religioso as pessoas vão pensar que não estou interessad­o em saber o porquê do meu nascimento ou o que acontece à totalidade do meu ser quando chegar o meu momentodam­orte. A verdade é que temas dessa natureza interessam-me imenso.

Mas, então, que relação tem com o mundo da religião e da espiritual­idade? Alguma vez quis ir para padre ou percorrer o globo para anunciar a chamada palavra de deus?

O sonho da minha avó era que eu fosse para um seminário. Aliás, ela sempre achou que esta minha profissão deatorerau­maespécied­e causa perdida. A seu ver, o meuverdade­irodomsópo­deria despontar e ver a luz do dia se eu me tornasse padre. Portanto, quanto a chamamento­s vindos do além, nunca passei dessafase–havia o desejo da minha avó e nada mais. Mas, felizmente, nesta profissão temos a possibilid­ade de explorar por dentro certos universos que nos são desconheci­das. Neste momento o que sinto é isto: acho muito estranho não ter feitos mais papéis de padre ao longo da minha carreira. Já fiz várias vezes de polícia, o que, só por si, diz imenso sobre o universo em que trabalho e vivo. O facto é que, dos 50 filmes que fiz, só num deles apareço como homem sobretudo espiritual. Ocinemanão­dramatizas­uficientem­ente esta profissão. Fiquei muito contente quando me ofereceram este trabalho. O guião reflete questões que me tenho colocado ao longo da vida.

«O facto é que, dos 50 filmes que fiz, só num deles apareço como homem sobretudo espiritual»

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