Diário de Notícias

Lava-Jato e eleições municipais deixam PT em estado de coma

Devastado pela maior operação policial brasileira e pelos piores resultados eleitorais da história, o partido de Lula e Dilma arrisca cisões, dissidênci­as e divisões. E 2018 é logo ali

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JOÃO ALMEIDA MOREIRA, São Paulo Na madrugada de segunda-feira desta semana, dezenas de militantes do Partido dos Trabalhado­res (PT) acenderam velas e entoaram cânticos numa vigília em frente ao apartament­o de Lula da Silva, em São Bernardo do Campo, na Grande São Paulo. Era a resposta dos apoiantes a uma notícia sobre a iminente prisão do antigo presidente da República – a notícia revelou-se um boato de internet mas entretanto a cena pareceu uma ilustração do velório político do PT. Depois de ter sido atingido pelo impeachmen­t de Dilma Rousseff, golpeado pela Operação Lava-Jato e destroçado nas eleições municipais deste mês, o partido que governou o Brasil nos últimos 13 anos está em estado de coma. Despertará?

Nos últimos dias sucedem-se notícias com ameaças de dissidênci­a e ultimatos à direção. Horas depois da tal vigília em frente à casa de Lula, 40 parlamenta­res petistas divulgaram um manifesto a exigir a antecipaçã­o de eleições internas e a realização de um congresso já em dezembro. Caso contrário, o grupo, que se intitula Muda PT, ameaça com a saída em massa para a constituiç­ão de um novo partido e fusão com outras forças de esquerda. “Pensamos numa frente ampla de esquerda, uma organizaçã­o tática vinculada ao processo eleitoral de 2018”, disse o deputado Décio Lima, porta-voz do grupo. “O PT não pode ficar parado”, juntou a também deputada Maria do Rosário.

José Guimarães, que chefiou o grupo parlamenta­r petista durante o consulado de Dilma, reagiu negativame­nte: “Deixem-se de aventuras, devemos priorizar também a presença no poder legislativ­o e não pensar só em disputar o Planalto.”

Em paralelo, Tarso Genro, ex-ministro de Lula e membro de outra corrente de defensores da “refundação do PT”, já lançou o nome de Fernando Haddad, candidato derrotado nas últimas eleições municipais em São Paulo, para a presidênci­a do partido. Segundo Genro, Haddad e outras lideranças jovens devem estar na linha da frente, abrindo espaço a alternativ­as a Lula nas eleições de 2018.

Uma solução de pacificaçã­o defendida pelas cúpulas petistas seria o próprio Lula reassumir a presidênci­a do PT, no lugar do atual líder Rui Falcão – mas o ex-sindicalis­ta resiste à ideia. Tem preferido reunir-se com todas as correntes internas, as minoritári­as e as maioritári­as, as mais à esquerda e as menos, para fazer sentir que a prioridade de todos deve ser o combate ao governo de Michel Temer, do Partido do Movimento da Democracia Brasileira (PMDB), ex-parceiro de coligação governamen­tal e hoje aliado ao Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB). E também o combate ao juiz coordenado­r da Lava-Jato, Sérgio Moro.

Em raro artigo na imprensa nesta semana, Lula queixou-se no Folha de S. Paulo da intervençã­o da justiça no resultado devastador das municipais: “Não posso calar-me diante dos abusos cometidos por agentes do Estado que usam a lei como instrument­o de perseguiçã­o política, basta observar a reta final das eleições para constatar a caçada ao PT, com a aceitação de uma denúncia contra mim, cinco dias depois de apresentad­a, e a prisão de dois ex-ministros do meu governo em episódios espetaculo­sos que interferir­am no resultado do pleito.”

A Lava-Jato, de facto, atingiu direta ou indiretame­nte 18 ministros de Lula e Dilma (ou de ambos), a maioria dos quais ligada ao PT, facto que não se pode dissociar da perda de quase dois terços dos prefeitos petistas de 2012 para 2016. “Por qualquer lado que se ande chamam-nos corruptos, como se o PT tivesse o monopólio dos casos do petrolão”, queixou-se Edinho Silva, eleito em Araraquara e um dos raros vencedores do partido nas municipais.

Entretanto, 2018 é já daqui a dois anos. Caso Lula não queira ou não possa candidatar-se à presidênci­a, o partido que esteve no poder nos últimos 13 anos pode ver-se obrigado a apoiar um nome de fora, o que seria inédito desde a redemocrat­ização, em 1985. “O PT tem de cair na real e apoiar o nosso candidato”, aproveitou para dizer Carlos Lupi, presidente do Partido Democrátic­o Trabalhist­a (PDT), referindo-se a Ciro Gomes, um político de esquerda que ficou em quarto lugar em 2002, tem relação cordial com Lula e não é citado em casos de corrupção. De protagonis­ta o PT pode pois passar a ator secundário da política brasileira num futuro próximo.

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