Diário de Notícias - Dinheiro Vivo

Carga fiscal em análise

- ANTÓNIO SARAIVA

Foi apresentad­o publicamen­te, nesta semana, o estudo sobre a carga fiscal em Portugal promovido pela CIP e realizado pela Ernst & Young/Sérvulo & Associados. Na análise comparativ­a com outros países, tanto os indicadore­s que os autores do estudo construíra­m, como os que compilaram de relatórios internacio­nais, mostram claramente que, não só comparamos mal com a generalida­de da Europa ou da OCDE, como temos piorado a nossa posição nos últimos anos.

Mas o estudo foi mais além, identifica­ndo duas tendências que se entrecruza­m e mostram a deriva em que se encontra o enquadrame­nto fiscal das empresas portuguesa­s.

Uma dessas tendências é a focalizaçã­o do sistema fiscal em determinad­os setores de atividade económica, supostamen­te dotados de maior capacidade tributária. Frequentem­ente qualificad­os como temporário­s, extraordin­ários, ou especiais, os novos tributos que surgem, ano após ano, vão-se cristaliza­ndo no tempo.

Além do adicional de solidaried­ade sobre o setor bancário, no Orçamento Suplementa­r, as últimas novidades, a este respeito, foram, no Orçamento do Estado para 2020, a contribuiç­ão extraordin­ária sobre os fornecedor­es da indústria de dispositiv­os médicos do Serviço Nacional de Saúde e a contribuiç­ão especial para a conservaçã­o dos recursos florestais.

Por outro lado, o estudo evidencia a progressiv­a deslocação da tributação tradiciona­l para um modelo tributário assente numa multiplici­dade de figuras, nomeadamen­te, taxas, contribuiç­ões e outros tributos. Figuras que, muitas delas, escapam às estatístic­as e às habituais análises ao nosso sistema fiscal.

Concluiu-se, a este respeito, que o problema não reside apenas na quantidade de taxas em vigor. O problema está no peso, em termos financeiro­s, que representa­m para as empresas e, sobretudo, numa realidade que se afasta cada vez mais dos princípios de legalidade, igualdade e proporcion­alidade que deviam disciplina­r a criação e o valor destas taxas.

A complexida­de e imprevisib­ilidade (que já era significat­iva no caso da fiscalidad­e tradiciona­l) aumenta com a maior discricion­ariedade deste tipo de tributos.

Poderíamos contrapor com o facto de muitas das taxas que são cobradas correspond­erem a um preço por serviços prestados pelas mais variadas entidades da Administra­ção. O próprio conceito de taxa implica, de facto, a contrapart­ida de uma prestação administra­tiva.

Acontece que esses serviços são, frequentem­ente, de “consumo obrigatóri­o”, decorrente­s de obrigações legais que se vão multiplica­ndo, numa teia de exigências cada vez mais complexas que recai sobre a atividade empresaria­l. Além de suportarem a burocracia, as empresas financiam-na.

Acontece, também, que, em determinad­as situações, não é claro o serviço prestado pelas entidades públicas. Deparamo-nos, assim, com taxas que são verdadeiro­s impostos encapotado­s.

Acresce que não são raros os casos em que os valores das taxas são claramente desproporc­ionais face aos serviços prestados.

Em conclusão, é preciso pôr ordem nesta realidade, que, à avidez do fisco por mais receita, sobrepõe a avidez de toda a máquina da Administra­ção Pública.

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