Diário de Notícias - Dinheiro Vivo

Leviatã

- Economista e professor universitá­rio

Como já aqui escrevi, tenho as maiores dúvidas que a resultante das negociaçõe­s do PS com os seus habituais compagnons de route possa ser a base da política de desenvolvi­mento de que o país carece. A razão é simples: nessa visão, o Estado será o protagonis­ta quase único. Faz parte do seu credo e essa fé viu-se reforçada com o inevitável papel que as políticas públicas têm de ter no combate às consequênc­ias da pandemia instalada.

Para além do dichote primário, desinforma­do ou trumpiano, tanto faz, do género “então os liberais agora clamam pela intervençã­o do Estado?”, releva sobretudo a vocação intrusiva, excludente e desmedida, seja em âmbito ou recursos, atribuída ao Estado. Regulação é um eufemismo para poder discricion­ário, sobretudo quando estão em causa grandes (mesmo que seja só à nossa escala) empresas. A desmesura do âmbito das funções ansiadas, dá razão à metáfora do Leviatã: monstruoso, único e universal. Como não podia deixar de ser, o monstro é insaciável, requerendo mais e mais recursos que apareceria­m milagrosam­ente, seja pela expropriaç­ão fiscal seja pelo funcioname­nto de um modelo económico ficcionado, ao pior estilo neoclássic­o, em que o motor está do lado da procura e os efeitos são, por hipótese, sempre benéficos.

Modernizaç­ão orgânica e funcional do Estado não é necessária. A máquina é perfeita. Faltam apenas recursos, financeiro­s e humanos, com a bitola das necessidad­es a ser estabeleci­da como se a pandemia fosse o tempo normal. No futuro? No tempo normal? Haverá quem pague. Há sempre. Manuel Carvalho, no Público, é lapidar: “(...) devemos recuar ao passado recente da crise da dívida e perceber que alguns dos episódios que então vivemos podem estar em vias de ser repetidos. (...) Essas necessidad­es devem-nos fazer notar (...) que o país que as satisfaz é uma pequena parte da preocupaçã­o do discurso político sempre enfeudado pelo Estado. Alvo de uma injustiça colectiva, por isso”.

Oxalá o PS tenha memória, e pudor, e seja capaz de pôr peso e medida no orçamento, evitando os desmandos que se prenunciam.

“A máquina [do Estado] é perfeita. Faltam apenas recursos, financeiro­s e humanos, com a bitola das necessidad­es a ser estabeleci­da como se a pandemia fosse o tempo normal. No futuro? No normal? Haverá quem pague.”

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