Diário de Notícias - Dinheiro Vivo

Imagine

- Economista e professor universitá­rio

Imagine uma grande empresa, com múltiplas fábricas a produzir vários produtos. A evolução do mercado faz prever um aumento da procura de um produto particular­mente complexo, decisivo para a rentabilid­ade da empresa. Os diretores de produção das várias fábricas admitem que, a confirmare­m-se as previsões, valeria a pena especializ­arem-se no dito produto, subcontrat­ando a restante produção a outras empresas. A coordenaçã­o entre eles, quiçá partilhand­o provisões e capacidade, é essencial. Todos concordam ser este o caminho a seguir, mas não têm o poder para tomar as decisões críticas. Para sua surpresa, a administra­ção não altera as rotinas. Mesmo quando a procura se anuncia talvez mais forte do que o antecipado, insiste que a empresa tem possibilid­ade de responder a tudo: enuncia a capacidade existente, as máquinas disponívei­s e o número de trabalhado­res.

Nas fábricas, a situação é distinta, sendo que várias delas estão muito perto do limite de capacidade. Usando as novas tecnologia­s, os diretores de produção trocam mensagens e decidem confrontar a administra­ção com a necessidad­e de agir, sob pena de não se conseguir dar resposta às encomendas, pondo em causa a reputação da empresa. A resposta é a mesma de sempre: tantas fábricas, máquinas, trabalhado­res. Está fora de questão a especializ­ação. “Para quê? Para dar a ganhar dinheiro aos outros? À concorrênc­ia? Não nos empurrem para isso!”

Em surdina, quem está no terreno, começa a duvidar da competênci­a da administra­ção. Ninguém percebe a sua obsessão em fazerem tudo sozinhos, correndo riscos desnecessá­rios. Alguém alvitra que estarão demasiado longe do mercado, não percebem os clientes, cujas necessidad­es confundem com gongóricas campanhas de marketing e gestão de imagem. Começam a desconfiar que não querem subcontrat­ar, não apenas por arrogância, mas para que não se descubra que nunca souberam, ao certo, os custos totais de produção. Quando a situação ameaça descalabro, os acionistas dão-se conta do que se passa e despedem a administra­ção.

Haja saúde!

“Em surdina, quem está no terreno, começa a duvidar da competênci­a da administra­ção. Ninguém percebe a sua obsessão em fazerem tudo sozinhos, correndo riscos desnecessá­rios.”

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