Diário de Notícias - Dinheiro Vivo
Borat & Amazon Filmes no streaming: estratégia ou necessidade?
Sequela de Borat já estreou na Amazon Prime. Pandemia acelera tendência do
E Portugal, de que lado fica?
É em plena turbulência eleitoral e pandémica nos Estados Unidos que a sequela de Borat estreia não nas salas, como aconteceu em 2006, mas no serviço de streaming Amazon Prime – a estreia mundial foi nesta sexta-feira. Há 14 anos, o primeiro Borat – documentário satírico que leva o peculiar jornalista cazaque Borat numa viagem pelos EUA (tendo como protagonista e criador o britânico Sasha Baron Cohen) – rendeu 223 milhões de euros em receitas de bilheteira e custou 15 milhões a produzir. Em 2020, com mundo do audiovisual em pleno período de disrupção e incerteza, as salas estão vazias devido à pandemia, o que só intensificou a transição de cada vez mais pessoas para o streaming, para ver séries e filmes.
A Netflix em Portugal reina com cerca de 2,38 milhões de subscritores (estimativas da Marktest) e filmes com estreia em sala ou foram adiados para 2021 – James Bond, Top Gun, etc. – ou tentaram a sua sorte no verão (Tenet) ou aventuraram-se em streaming, como é o caso de Borat (tinha de sair antes das eleições dos EUA de novembro). Até agora, a tendência já existia, com a Netflix a ter impacto nos Óscares com filmes feitos para streaming como Roma, de Alfonso Cuáron (recebeu três estatuetas, incluindo de melhor realizador). No entanto, foi obrigada a estrear em algumas salas para que o filme pudesse ser elegível para ir aos Óscares. Por causa da pandemia, a Academia de Hollywood já mudou a regra que prometeu não mudar e filmes que estrearam em streaming e não nas salas já podem ir aos Óscares. Borat é um exemplo diferente, a Amazon comprou os direitos de distribuição (em streaming) à produtora de Sasha Baron Cohen e estreou diretamente na sua plataforma (que oferece em bundle com outros serviços).
Um caso com outros contornos foi o do filme da Disney, Mulan, que teve antestreia no início de março mas viu a estreia adiada, até ir diretamente para streaming (e aluguer online) no serviço Disney+. Fica disponível em dezembro em Portugal para subscritores do serviço. Rui Tendinha, crítico de cinema do DN e do Cinetendinha.pt, admite que o facto de filmes como Mulan ou Soul [da Pixar, com estreia no Natal no Disney+] passarem logo para “veio assustar alguns estúdios de Hollywood”, admitindo que o paradigma “veio para ficar”. O analista e professor americano Scott Galloway concorda e diz que é uma tendência inevitável em que gigantes como a Disney devem apostar ainda mais. “Não vão ganhar centenas de milhões logo em receitas de bilheteira, mas criam uma estrutura para o
futuro com receitas mensais sólidas”, admite, referindo-se a um modelo de negócio diferente.
Rui Tendinha teme pelo futuro do cinema nas salas, especialmente para os filmes mais pequenos (daí pedir mais apoio aos cinemas de bairro), mas acredita que ao contrário de Borat, sem grandes cenas de ação e que ganha muito em ir logo para streaming e em chegar em poucos dias ao mundo inteiro, blockbusters como Top Gun ou Missão Impossível “continuam a só fazer sentido estrearem nas salas, porque é lá que se tem a experiência plena”.
A rainha do streaming Netflix vai investir neste ano 17 mil milhões de dólares em conteúdos, tem receitas acima dos 20 mil milhões e cresceu em 10 meses dos 167 milhões para os 195 milhões de subscritores e distingue-se da HBO, Amazon, Apple e Disney por apostar bem mais em produção de conteúdos locais de todo o mundo. Portugal tem sido uma excepção, mas isso deve mudar com a série Glória (de Tiago Guedes). A HBO Portugal licencia já alguns filmes nacionais, mas nenhum é original para a plataforma. Tendinha admite que os filmes portugueses ainda ganham pouco dinheiro por estarem logo no streaming – sendo mais vantajosas parcerias com operadoras e canais.
Precisamente a pensar na produção nacional, esta semana foi aprovada no Parlamento uma nova taxa de 1% sobre “os proveitos relevantes” dos operadores de streaming. Algo que vai de encontro a um lados da “guerra” entre produtores em Portugal (onde estão Paulo Branco e Luís Urbano) e contra outros, que preferiam que não seja o ICA (Instituto do Cinema e Audiovisual) a decidir quem recebe o “novo” dinheiro, mas sim as próprias plataformas de streaming, obrigadas a investir em conteúdos nacionais – que é a perspetiva do secretário de Estado com essa pasta, Nuno Artur Silva, que não quis tecer comentários nesta fase.
—CÁTIA ROCHA
Já não era uma questão de “se”, mas sim de “quando” é que o Departamento de Justiça dos Estados Unidos (DOJ, em inglês) formalizaria um processo contra a Google. A vontade de escrutinar a operação das grandes tecnológicas tem vindo a crescer ao longo dos anos, especialmente no que diz respeito às big four: Apple, Amazon, Facebook e Google. Exemplo disso são as múltiplas vezes em que os CEO destas empresas estiveram perante o Congresso dos Estados Unidos e, neste verão, pela primeira vez, numa audição em simultâneo.
Depois dos rumores, que em setembro davam conta de que este anúncio de processo estaria para breve, a Justiça norte-americana formalizou uma ação contra a Google, que conta com o apoio de pelo menos 11 Estados norte-americanos. Em causa está a posição dominante da empresa no negócio dos motores de busca. Para o DOJ, “sem uma ordem judicial, a Google continuará a executar a sua estratégia anticoncorrência, limitando o processo de concorrência, reduzindo a escolha do consumidor e a limitar a inovação”, dita o processo. A Justiça dos Estados Unidos aponta que a Google detém “90% de todo o mercado de pesquisa nos EUA e quase 95% das pesquisas feitas em ambiente mobile”. Para este organismo, o resultado final da situação passa por “ninguém conseguir, de forma viável, desafiar o domínio da Google na pesquisa e na publicidade feita na pesquisa”.
Os especialistas encontram semelhanças com um caso concreto do setor tecnológico, também ele de grandes dimensões: o processo que opôs os EUA à Microsoft. Em 2001, a Justiça americana moveu um processo contra a empresa de Redmond, onde a Microsoft também era acusada de ter uma posição dominante no mercado. Enquanto a Google é acusada de domínio na pesquisa, o caso da Microsoft incidia sobre o navegador Internet Explorer, na altura, aquele que reunia maior número de utilizadores. Os EUA consideravam que, através dos contratos com fabricantes, a empresa conseguia ter uma quota de mercado maior nos navegadores, até ao surgimento do Chrome da Google, anos mais tarde.
No processo da Google, também o DOJ menciona a relação com os fabricantes de smartphones e computadores, nomeadamente com a Apple. O procurador Bill Barr enunciava inclusive que a Google “não compete com a concorrência através da qualidade dos seus resultados [de pesquisa]”, mas sim com “sucesso comprado através de pagamento a fabricantes de smartphones e outros”.
A resposta da Google ao processo não tardou. Numa longa publicação, assinada por Kent Walker, SVP para Global Affairs da Google, era dito que “a ação do Departamento de Justiça é profundamente defeituosa”. “As pessoas utilizam o Google porque querem, não porque são forçadas ou porque não conseguem encontrar alternativas”, reagia a empresa. “Este processo não fará nada para ajudar os consumidores. Pelo contrário, irá artificialmente inflacionar alternativas de pesquisa de baixa qualidade, aumentar os preços dos telefones e tornar mais difícil às pessoas chegar aos serviços de pesquisa que querem usar”. A Google refere que este processo encara “os americanos como pouco sofisticados” para mudar as aplicações ou pré-definições de pesquisa nos equipamentos.