Correio da Manha - Domingo

EM 1950, AQUILINO RIBEIRO PREVIU QUE A “MOTORIZADA IRIA TRANSFORMA­R O PORTUGAL RURAL E DAS ALDEIAS”.

Livro de Pedro Pinto é uma viagem pelas motorizada­s portuguesa­s

- POR FERNANDA CACHÃO

DE FACTO, A NORMA MINISTERIA­L QUE EM 1941 ESTABELECE­U QUE NÃO SÃO CONSIDERAD­OS MOTOCICLOS OS VELOCÍPEDE­S COM MOTOR AUXILIAR DE CILINDRADA NÃO SUPERIOR A 50 CC PERMITIU MOBILIDADE AOS PORTUGUESE­S QUE NÃO PODIAM COMPRAR A CARTA DE CONDUÇÃO OU O CARRO. VIAGEM SENTIMENTA­L COM O AUTOR DE ‘AS MOTOS DA NOSSA VIDA’

A maioria dos homens que investe começa por baixo. Os grandes industriai­s, à exceção de João Francisco Casal, desprezam a ‘febre’ das motos

A verdadeira` revolução industrial' chegou depois de 1949, quando o ministro das Comunicaçõ­es, Manuel Gomes de Araújo, decretou que “não são considerad­os motociclos os velocípede­s com o motor auxiliar de cilindrada não superior a 50 cc” e o escritor Aquilino Ribeiro logo prevê, certeiro, que “a motorizada vai transforma­r o Portugal rural e das aldeias”. É este País, pobre e iletrado, que passa a poder mover-se em duas rodas com a ajuda de um motor, que impulsiona a criação de uma miríade de pequenas indústrias que crescem por todo o lado e que produzem as marcas míticas agora procuradas pelos colecionad­ores. Não há português nascido antes dos anos 80 que não tenha memória de ter guiado ou ter sido levado em cima de uma destas motociclet­as. ‘As Motos da Nossa Vida - Uma viagem sentimenta­l à memória das motorizada­s portuguesa­s’, de Pedro Pinto, edição da Quetzal,ém ais do que umrepo sitório de histórias das marcas e fotografia­s dos principais modelo s-é a história de um país.

A maioria dos homens que impulsiona esta ‘febre’ “começa por baixo”; nesses anos nenhum grande industrial investiu neste mercado, exceção de João Francisco Casal, da metalurgia Casal, a maior da sua época, com cerca de mil empregados. Em 1967, quando faz os motores e os primeiros modelos, já desde o pós-guerra ganha dinheiro com as importaçõe­s. A maioria dos homens que se dedica à produção das máquinas portuguesa­s apanhou boleia de uma oportunida­de; e são donos de indústrias “pequeninas” - “só uma meia dúzia de fábricas tem mais de 500 empregados”. “Mas acaba por ser uma indústria forte, pois não havia família em Portugal que não tivesse uma motorizada. No fundo, o que o Gomes de Araújo disse é que se podia ter licença da câmara em vez de carta de condução, coisa difícil para a maioria dos portuguese­s, também por não terem a quarta classe ou dinheiro para comprar um carro. Além do mais, só se fazia o exame de condução nas capitais de distrito; era dificílimo que um camponês se deslocasse da sua terra para tirar a carta de condução automóvel”, conta Pedro Pinto.

Quando em 1949 sai o decreto, no interior do País a locomoção era feita de bicicleta; e são esses que começam a procurar pequenos motores para adaptar ao veículo - “e é a loucura”. “As pessoas humildes passam a poder sair dos campos e a chegar às indústrias. A motorizada faz parte dessa revolução.” Aos motores importados, holandeses, italianos e franceses, juntam-se àqueles de duas fábricas portuguesa­s: o Alma, da Barros de Almeida, dos vinhos do Porto, fabricado nos barracões do vinho em Gaia, e em Braga, os de António Peixoto, visionário alcunhado de ‘Pachancho’ por ter um andar curioso. Na primeira guerra, quando Braga atravessa uma grande crise por causa da gripe espanhola, com a consequent­e paragem da indústria do calçado, imposta pela pandemia, centenas perderam o emprego. António Peixoto cria então a indústria metalomecâ­nica que vai dar emprego aos desemprega­dos da gripe. “Em 1949, ele já tinha idealizado um motor, o Pachancho, que começa a vender às outras fábricas.” Em 1951, um único importador encomenda 10 mil motores à Ducatti – como ele, muitos mais. Fora das cidades já não havia só bicicletas.

A guerra colonial

“Portugal chegou a ter uma indústria exportador­a, embora não com a dimensão que poderia ter tido. Nunca houve cooperação entre os vários fabricante­s e havia muitas fábricas a fazer a mesma

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