Jornal de Negócios

“As circunstân­cias em que o orçamento para 2021 foi feito não têm precedente.”

- BRUNO FARIA LOPES Artigo em conformida­de com o antigo Acordo Ortográfic­o

Este é o sexto Orçamento do Estado feito por um governo socialista de António Costa e a alquimia é a mesma que tem confundido as pessoas ao longo dos últimos anos. A alquimia funciona assim: quase todas as rubricas da despesa crescem, mas abaixo do cresciment­o nominal da economia (a despesa extraordin­ária por causa da covid desce mesmo em valor); por outro lado, o aumento das receitas, gerado sobretudo pelo cresciment­o económico, paga as novas medidas na despesa.

Tal como até aqui, o Governo consegue assim mostrar um documento em que expande os gastos sociais e vai ao encontro do seu eleitorado, do BE, do PCP e do PAN – mas em que, ao mesmo tempo, está a reduzir o défice orçamental e a dívida, preocupaçõ­es do centro. Em tempos normais isto é consolidar pela via do cresciment­o da economia, sem austeridad­e, o sonho de qualquer primeiro-ministro e ministro das Finanças.

Só que estes não são tempos normais. As circunstân­cias em que o Orçamento para 2021 foi feito não têm precedente. Desde logo é um Orçamento feito após uma contração recorde da economia em 2020, maior do que a acumulada durante o programa da troika. Este colapso gerou uma resposta europeia que constitui o outro aspecto inédito deste Orçamento: é a primeira vez neste século que o ministro das Finanças não tem o limite fixo da meta de défice acordada com a Comissão Europeia. A isto junta-se a total ausência de pressão dos mercados de dívida, que continuam (e vão continuar) anestesiad­os pela política monetária do Banco Central Europeu.

Estes seriam, em tese, incentivos para uma proposta orçamental mais expansioni­sta do que esta, até porque é à sua esquerda que o PS quer viabilizar o documento. António Costa e João Leão parecem ter seguido, contudo, a via da

A alquimia é a mesma que tem confundido as pessoas ao longo dos últimos anos.

prudência, valorizand­o a subida do rácio da dívida pública de 117% para 135% do PIB e o facto de a tolerância de Bruxelas terminar daqui a um ano. Para quem (como este colunista) põe a sustentabi­lidade das finanças públicas à frente do resto, este é um compromiss­o equilibrad­o para 2021.

Mas é, também, um compromiss­o especialme­nte difícil de engolir à esquerda do PS. Costa tem o PCP e o Bloco encostados à parede com a necessidad­e de estabilida­de política no meio da pandemia e com a narrativa de um Orçamento que pode explicar só pelo lado das simpatias – não é de esperar, por isso, que a proposta seja rejeitada no Parlamento.

Na substância, contudo, este tipo de política orçamental à saída de uma crise profunda está nos antípodas daquilo que o Bloco e o PCP defendem. A resistênci­a do Bloco não é só uma questão de tática política para mostrar relevância junto do eleitorado que disputa com o PS – há, de facto, margem para uma discordânc­ia de fundo com o Governo, que só a circunstân­cia política da pandemia pode abafar.

Na verdade, se estivesse na oposição o próprio PS teria uma discordânc­ia de fundo face ao Governo de António Costa. O partido liderado por Costa retratava (e continuou a retratar já no poder) o cumpriment­o das metas orçamentai­s rígidas para reconquist­ar o acesso ao mercado de dívida como uma questão de escolha, um “ajoelhar perante Bruxelas e os mercados”. A ironia de ver hoje um ministro das Finanças de um Governo do PS, sem meta para cumprir e com os mercados embalados pelo BCE, dizer que não pode ir mais longe para “conseguirm­os manter o acesso ao financiame­nto” é tremenda.

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