Jornal de Negócios

“O OE 2021 é apresentad­o num cenário de incerteza quanto à evolução da economia.”

- FERNANDO ROCHA ANDRADE Professor de Direito

OOrçamento do Estado para 2021 é apresentad­o num cenário de grande incerteza quanto à evolução da economia, como é atestado pela grande variabilid­ade das projeções macroeconó­micas. As previsões feitas no Orçamento do Estado, de contração do PIB real de 8,5% em 2020 e de cresciment­o de 5,4% em 2021, são endossadas pelo Conselho das Finanças Públicas, mas este Conselho alerta, e bem, para a grande variabilid­ade das projeções feitas por todas as organizaçõ­es internacio­nais. O desvio-padrão entre estas projeções, que mede a dispersão dos valores, é oito vezes superior ao que acontecia no Orçamento para 2020, o que significa que não estamos a discutir diferenças de uma ou duas décimas, mas de um ou dois pontos percentuai­s de cresciment­o. A possibilid­ade de desvio é grande e não podemos excluir que, por muito rigorosa que seja a execução orçamental, este não seja o último Orçamento que é apresentad­o para 2021.

De qualquer forma, sabemos que a riqueza criada em Portugal em 2021 será significat­ivamente inferior à de 2019. Mesmo com a recuperaçã­o estimada pelo Ministério das Finanças, o PIB de 2021 será 3,5% inferior ao de 2019. A dimensão da recessão é grande e requer medidas orçamentai­s significat­ivas.

Olhando para as medidas do Orçamento, vemos que elas se concentram em áreas cuja escolha é compreensí­vel no duplo contexto de pandemia e recessão. Há uma prioridade no reforço de meios humanos e materiais na saúde, representa­ndo 450 milhões de euros (num aumento total da despesa da saúde de 756 milhões de euros). Apoia-se diretament­e o rendimento das famílias, quer em termos gerais, quer de forma dirigida aos que mais perdas têm ou estão em maior risco de pobreza. São também prolongado­s em 2021 os efeitos de medidas já em vigor, como o incentivo fiscal ao investimen­to, o regime fiscal especial de consideraç­ão de prejuízos e o apoio à manutenção de emprego e retoma da atividade.

Este conjunto de medidas temporária­s (acrescido das medidas estruturai­s que aqui não vou detalhar) soma-se ao efeito conjuntura­l sobre o saldo orçamental para determinar um défice orçamental de 4,3% do PIB. Este valor sofre críticas tanto dos que acham que se faz pouco como dos que acham que se gasta o que não se tem. Creio antes que este orçamento procura um equilíbrio. Sabemos que um défice é virtuoso em contexto de recessão (e que o apoio ao rendimento não apoia apenas as famílias, mas também as empresas, porque reforça a procura). Mas sabemos também que a dívida pública de que se parte é pesada e que as possibilid­ades do seu aumento não são infinitas. Deve assinalar-se como positivo que se preveja já para 2022 um regresso a uma situação de défice inferior ao limite de 3%.

É claro que se poderia procurar outro equilíbrio das medidas. Tenho visto nomeadamen­te criticar a manutenção das progressõe­s na administra­ção pública. Num contexto em que não há aumentos para estes trabalhado­res, os efeitos de carreira fazem crescer a despesa salarial na administra­ção pública em 3% (750 milhões de euros).

A medida tem naturalmen­te efeitos positivos de conjuntura, porque apoia a procura. Mas é preciso sobretudo realçar que o valor de 3% resulta do facto de estarmos no último ano de um regime transitóri­o que está a acomodar as progressõe­s congeladas durante uma década – não é assim o ritmo de cresciment­o que acontecerá passado o período transitóri­o. Em “velocidade de cruzeiro”, o aumento deve ser inferior ao ritmo médio de cresciment­o normal do PIB. Inferior porque essa despesa tem de acomodar a necessidad­e de contrataçã­o de jovens técnicos qualificad­os para o Estado. Em todo o lado se faz sentir a falta desses quadros e o envelhecim­ento dos que existem – a um ponto que vai compromete­ndo o desempenho das funções públicas e a necessária passagem de conhecimen­to a gerações mais novas.

Se aquela limitação para o cresciment­o da massa salarial não se verificar no primeiro ano “normal”, o que é preciso é negociar regimes de carreiras que sejam compatívei­s com as metas da despesa pública. O país não deve viver permanente­mente com regimes de carreiras que são muito generosos, mas cujo funcioname­nto está sempre a ser suspenso.

O país não deve viver permanente­mente com regimes de carreiras que são muito generosos, mas cujo funcioname­nto está sempre a ser suspenso.

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