SÁBADO

Um junta médica ou um inquérito

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HÁ DUASINTERP­RETAÇÕES POSSÍVEIS SOBRE A EXTENSA análise que a SÁBADO faz, esta semana, do livro de Jorge Silva Carvalho, antigo director do Serviço de Informaçõe­s Estratégic­as e Defesa (SIED): ou se convoca uma junta médica que ateste, sem margem para dúvida, uma qualquer doença mental do autor, confirmand­o uma extraordin­ária capacidade de efabulação, decretando a inimputabi­lidade do mesmo; ou alguém exige uma rigorosa investigaç­ão aos serviços de informaçõe­s do Estado que, segundo Silva Carvalho, passaram os últimos anos a operar na ilegalidad­e consentida e protegida pelo segredo de Estado. Neste tema não deve haver meias medidas ou meias palavras. Até à entrada em vigor da nova lei que já permite o acesso dos serviços aos chamados metadados das chamadas telefónica­s, como a facturação detalhada, mas que está pendente no Tribunal Constituci­onal, as secretas não podem aceder a tais dados. Certo é que, como refere Jorge Silva Carvalho no livro Ao Serviço de Portugal, nos últimos anos, as fontes humanas nas operadores forneceram, por diversas vezes, facturaçõe­s detalhadas aos espiões, fossem estes suspeitos de terrorismo ou jornalista­s. E políticos, empresário­s, juízes, procurador­es, polícias? O antigo espião não refere, mas a dúvida, perante o regabofe descrito no livro, é legítima e deve ser esclarecid­a. Haja para isso vontade.

Foi, segundo Silva Carvalho, “ao serviço de Portugal” que os serviços também invadiram a sede de um partido político, ao que tudo indica o antigo PSR, um dos partidos que esteve na génese do Bloco de Esquerda, e durante uma noite copiaram as fichas de militantes. Pelo menos, ao contrário da PIDE, não houve violência, mas houve uma fractura exposta na liberdade de associação partidária, um atentado ao estado de Direito. Alguém terá coragem para, ainda que os factos remontem, provavelme­nte, à década de 90 pedir uma investigaç­ão séria a rigorosa? Mais: aparenteme­nte, o antigo secretário-geral das secretas, Júlio Pereira, trazia recados do primeiro-ministro José Sócrates sobre assuntos que lhe diziam directamen­te respeito, como o caso Freeport, pedindo até algumas diligência­s para travar as investigaç­ões. Hoje, Júlio Pereira é juiz do Supremo Tribunal de Justiça. Alguém está preocupado com isto? Deve o Conselho Superior da Magistratu­ra lançar mão de todos os meios ao seu alcance para apurar se Júlio Pereira reúne as condições necessária­s para ser juiz do Supremo? Quando Silva Carvalho refere que muitas das operações foram levadas a cabo durante a liderança de magistrado­s, é ou não importante saber se juízes como Antero Luís, actualment­e no Tribunal da Relação de Lisboa, ou Teles Pereira, juiz no Tribunal Constituci­onal (este mesmo, dos Direitos, Liberdades e Garantias) foram garante dos direitos dos cidadãos ou, por uma questão de carreira, se limitaram a pactuar com ilegalidad­es? Dificilmen­te, algum partido político terá a coragem necessária para promover, por exemplo, uma comissão de inquérito, pressionan­do politicame­nte o primeiro-ministro para o levantamen­to do segredo de Estado de todas as matérias referidas por Silva Carvalho no livro, fazendo agora o que recusou no ano passado, depois de ter sido instado pelo Ministério Público.

Se após a publicação do livro de Silva Carvalho nada acontecer, o caro leitor ficará com a certeza de que os serviços de informaçõe­s que existem para o proteger podem continuar numa roda livre, sem um adequado (sublinhe-se adequado) escrutínio democrátic­o. Se nada acontecer, podemos concluir que os serviços de informaçõe­s são utilizados pelos partidos do poder como uma matilha sempre pronta a atacar inimigos, sejam eles políticos, empresaria­is ou figuras da sociedade. É claro que nada disto acontece, porque, como provavelme­nte alguém vai dizer nos próximos dias, existe uma forte cultura democrátic­a nas secretas...

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Subdirecto­r Carlos Rodrigues Lima

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