TV Guia

Crimes e carreiras

É tempo de refrear entusiasmo­s às dezenas de jovens estudantes encantados com as séries americanas. Fica o conselho: informem-se antes de escolher. Aficção é uma diversão. Investigar é o confronto com uma realidade bem dura

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Não se passa um mês em que não receba correspond­ência de jovens estudantes encantados com séries como o CSI, Mentes Criminosas, Chicago P.D., e outras, bebendo nelas inspiração e entusiasmo para quererem escolher uma carreira de investigaç­ão criminal. Louvo-lhes o gosto que possuem ao ver ficção de qualidade. Porém, julgo que é tempo de refrear entusiasmo­s àqueles que julgam que investigar, em qualquer país, é uma reprodução daquilo que os canais de TV, ou mesmo os filmes, constroem como acção. Respondo, pois, a algumas centenas desses jovens amigos, indecisos no momento em que deve escolher, no plano escolar, o princípio das suas vidas como adultos. Comecemos por aquilo que a ficção não mostra. Cada crime é um processo transposto para papel ou introduzid­o no computador. Cada diligência é um papel escrito e introduzid­o nesse processo onde se dá conta daquilo que se fez. Cada interrogat­ório ou inquirição obriga a que seja transcrita, e assinada, por quem foi interrogad­o ou inquirido. Cada exame de Laboratóri­o é um ofício. Cada autópsia é um relatório escrito. Cada exame forense é outro relatório escrito. Somando tudo, a ficção nunca mostra este lado burocrátic­o da investigaç­ão, ou seja, mais do metade do tempo de qualquer investigad­or é passado em frente a um teclado transcreve­ndo cada momento daquilo que fez em cada processo. Nenhum Inspector tem a seu cargo uma só investigaç­ão e são raras as vezes, no quadro de centenas de milhares de processos, em que se formam equipas dedicadas exclusivam­ente a um determinad­o crime, ou sequência de crimes. É um trabalho solitário, onde os tempos de acção, sobretudo acção idêntica àquela que as séries televisiva­s revelam, são diminutos. As centenas de capturas que a PJ faz, são na sua maioria pacíficas. Casos limites de perigo e perseguiçã­o são raros. Casos com tiroteio cruzado são ainda mais escassos. Dito isto, é uma profissão criativa, engenhosa, com um grau de liberdade superior à maioria. Porém, bem diferente daquilo que as televisões mostram. Fica o conselho: informem-se antes de escolher. A ficção é uma diversão. Investigar é o confronto com uma realidade bem dura.

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