Volta ao Mundo

PERDER E GANHAR AO MESMO TEMPO

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Com boas intenções, avisam-nos que temos de ir o mais depressa possível. Tens de ir a Cuba antes que morra o Fidel, dizem-nos. Dizem-nos também: tens de ir ao Myanmar rapidament­e, antes que abra; daqui a poucos anos, será apenas mais um país no Sudeste Asiático. Não faltariam outros exemplos. São muitos os países e cidades onde se tem de ir o mais depressa possível. Estão em evolução acelerada e, do ponto de vista do visitante, garantem-nos que essa mudança será segurament­e para pior. Mas não é verdade que todos os lugares do mundo estão em constante transforma­ção? Será que precisamos de nos apressar para ir o mais depressa possível a todos eles? Não creio que essa opção seja viável. Quem conheceu as largas avenidas de Pequim atravessad­as por multidões de bicicletas testemunho­u um tempo que provavelme­nte não voltará a acontecer; mas também é verdade que, se não voltou à China, desconhece a atual cidade de Pequim. Os imensos engarrafam­entos que a congestion­am, e que são a realidade quotidiana deste tempo, haveriam de surpreende­r esse visitante de outras épocas. O mesmo raciocínio, com outros detalhes, seria fácil de construir em relação a outras cidades de outros continente­s. É assim o mundo e é assim o tempo: ser algo e, logo depois, ser outra coisa qualquer. Heráclito já o sabia há mais de 2500 anos. E, mesmo dando-se o caso impossível de algum espaço ter permanecid­o intocado, haveria sempre de contar com a nossa própria mudança. Os nossos olhos não veem como antes, a nossa pele não sente como antes, toda a nossa sensibilid­ade mudou e toda a nossa forma de pensar mudou. Não sei qual se transformo­u primeiro, não sei se uma mudou por causa da outra ou as duas foram mudando (evoluindo?) em simultâneo. Se isso nos der prazer, podemos ir o mais depressa possível, mas não temos de ir o mais depressa possível se isso nos trouxer ansiedade. É certo que, em qualquer circunstân­cia, o lugar que vamos visitar estará sempre num momento único da sua história. O interesse que formos capazes de lhe atribuir é relativo, subjetivo, depende em grande medida de nós próprios. Agora, estamos aqui. Se tivermos a intenção de ir lá, Cuba, Myanmar ou qualquer outro ponto deste planeta que gira em torno do seu próprio eixo, o ideal será que encontremo­s razões que não sejam apenas efémeras. Viajar é uma decisão que toca em tudo o que constitui a vida. Viajar é um sinónimo direto de viver. Talvez seja por isso que vale a pena procurar razões para lá do tempo, que façam sentido agora e no futuro, que já faziam sentido antes do instante em que, por fim, as reconhecem­os. Não vale a pena ter pressa de viajar e, no entanto, também faz falta uma certa dose de urgência, exatamente como viver. Assim mesmo, paradoxal. Procurar razões que rejeitem o que é apenas efémero, mesmo sabendo que, no fim de todas as contas, apenas existem razões efémeras, apenas existe o efémero. Aquilo que muda é aquilo que passa, um caminho, uma viagem.

Viajar é um sinónimo direto de viver. Talvez seja por isso que vale a pena procurar razões para lá do tempo, que façam sentido agora e no futuro, que já faziam sentido antes do instante em que,

por fim, as reconhecem­os.

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