Folha 8

HERÓINACIO­NALÉOPOVO

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Angola continua a ser ( re) construída à imagem e semelhança do MPLA, como se fosse um regime de partido único. E, de facto – que não de jure –, é isso mesmo. Se o MPLA é Angola e Angola é o MPLA, herói nacional há só um, Agostinho Neto e mais nenhum. Quando o MPLA for apenas um dos partidos do país e Angola for um verdadeiro Estado de Direito, então haverá outros heróis. Até lá, os angolanos continuarã­o sujeitos à lavagem do cérebro de modo a que julguem que Agostinho Neto foi o único a dar um contributo na luta armada contra o colonialis­mo português e para a conquista da independên­cia nacional. O dia 17 de Setembro, instituído feriado nacional em 1980 pela então Assembleia do Povo, um ano após o seu faleciment­o, em 10 de Setembro de 1979 na antiga União das Republicas Socialista­s Soviéticas, deve-se, segundo a cartilha do MPLA, ao reconhecim­ento do seu empenho na libertação de Angola, em particular, e do continente africano. Com alguma habilidade ainda vamos ver referência­s ao contributo para a libertação da Europa… Fruto da entrega de Agostinho Neto à causa libertador­a dos povos, o Zimbabwe e a Namíbia ascenderam igualmente à independên­cia, assim como contribuiu para o fim do Apartheid na África do Sul, esclarecem os donos do poder em Angola. Pelos vistos, desde 1961 e até agora que só existe Agostinho Neto. Se calhar até é verdade. Aliás, bem vistas as coisas, Holden Roberto e Jonas Savimbi, FNLA e UNITA, nunca existiram e são apenas resultado da imaginação de uns tantos lunáticos. Agostinho Neto foi também, segundo uma cartilha herdada do regime de partido único (hoje em termos práticos assim continua, repita-se), “um esclarecid­o homem de cultura para quem as manifestaç­ões culturais tinham de ser antes de mais a expressão viva das aspirações dos oprimidos, arma para a denúncia dos opressores, instrument­os para a reconstruç­ão da nova vida”. Quem tem razão é José Eduardo Agualusa quando diz que “uma pessoa que ache que o Agostinho Neto, por exemplo, foi um extraordin­ário poeta é porque não conhece rigorosame­nte nada de poesia. Agostinho Neto foi um poeta medíocre”. Continuemo­s, contudo, a ver a lavagem cerebral (educação patriótica, segundo o regime) – bem visível hoje em todo o país – que o regime do MPLA pretende levar a cabo: “Dotado de um invulgar dinamismo e capacidade de trabalho, Agostinho Neto, até à hora do seu desapareci­mento físico, foi incansável na sua participaç­ão pessoal para resolução de todos os problemas relacionad­os com a vida do partido, do povo e do Estado”. Numa coisa a cartilha do MPLA tem toda a razão e actualidad­e: “como o marxistas-leninista convicto, Agostinho Neto reafirmou constantem­ente o papel dirigente do partido, a necessidad­e da sua estrutura orgânica e o fortalecim­ento ideológico, garantia segura para a criação e consolidaç­ão dos órgãos do poder popular, forma institucio­nal da gestão dos destinos da Nação pelos operários e camponeses”. Como se vê, os destinos da Nação estão entregues desde 11 de Novembro de 1975 aos operários e camponeses do tipo José Eduardo dos Santos & Sonangol Lda. Em reconhecim­ento da figura do (suposto único) fundador da Nação angolana, estão erguidas em vários pontos do país estátuas, que simbolizam os seus feitos e legados,

marcado pelas suas máximas “De Cabinda ao Cunene um só povo e uma só nação” e “O mais importante é resolver os problemas do povo”. Pois! Nem Cabinda é Angola nem os problemas do povo foram resolvidos. Mas as estátuas aí estão para serem vistas por um povo que continua a ser gerado com fome, a nascer com fome e a morrer pouco depois com… fome. Eu sei que em Angola os militares, tal como o resto da sociedade, só têm liberdade para dizer o que sua majestade o rei Eduardo dos Santos deixa. Mesmo assim, quando não se pode dizer a verdade, o bom senso aconselha a que se esteja calado. Recordo, por exemplo, que, no dia 12 de Agosto de 2009, o inspector-geral das Forças Armadas Angolanas, general Rafael Sapilinha “Sambalanga”, considerou na comuna do Icolo e Bengo, Angola como uma “trincheira firme na defesa do continente africano”, pelo percurso árduo nas lutas de libertação nacional, bem como o contributo para a paz na região. Poderia o general “Sambalanga” ficar-se por aqui e tudo estaria bem. Angola é de facto uma “trincheira firme na defesa do continente africano”. Rafael Sapilinha que falava durante a visita dos Inspectore­s de Defesa da Comunidade de Desenvolvi­mento da África Austral (SADC) ao Centro Cultural “António Agostinho Neto”, não se conteve, contudo, em querer agradar ao chefe e vai daí enalteceu o espírito de coragem do fundador da nação MPLA, nas lutas de libertação nacional que culminou com a independên­cia do país. Para o inspector-geral, António Agostinho Neto teve a capacidade de prever a liberdade e autonomia do povo angolano nos poemas que escrevia. “António Agostinho Neto não é tido apenas como fundador da nação e do MPLA, mas também como um poeta perspicaz”, sublinhou. Irra! Apre! Chiça! Por qu e carga de água Agostinho Neto é o único fundador da nação angolana? E então Holden Roberto? E então Jonas Savimbi? Que país é Angola que tem tanta dificuldad­e em reconhecer a Holden Roberto, como a Jonas Savimbi, o estatuto de Herói Nacional? Porque razão, o Estado teve e tem tanta necessidad­e de humilhar Holden Roberto e Jonas Savimbi? Será assim que se luta pela instituiçã­o de um Estado de Direito?

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