Folha 8

NACIONALIS­TA DO MPLA E DA PIDE

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Omembro do Comité Central do MPLA e deputado à Assembleia Nacional, Manuel Pedro Pacavira, faleceu no passado dia 12, por doença, em Lisboa, aos 77 anos. Lamentando a sua morte e endereçand­o as nossas sinceras condolênci­as à família, contrabala­nçamos as louvaminha­s do regime com outros dados históricos. A Verdade exige-o. Recordemos, tratando-se de uma relevante figura do MPLA e do regime, alguns apontament­os da sua biografia. Licenciado em Ciências Sociais pela Universida­de de Havana, foi Ministro da Agricultur­a e dos Transporte­s. Foi, ainda, Representa­nte de Angola na ONU, Governador do Kwanza Norte e Embaixador de Angola em Cuba e na Itália. No entanto foi, antes de tudo isso, colaborado­r da PIDE como consta da folha 84 do Processo-crime nº 554/66 existente na Torre do Tombo, em Lisboa. Pacavira terá começado a colaborar com a PIDE por volta de 1960, pois, quando, em Março daquele ano, se deslocou a Brazzavill­e para se avistar com Lúcio Lara, que vinha de Conakry mandatado pelo Comité Director do MPLA, já pres- tava serviços à polícia portuguesa. Por isso, no trajecto até à fronteira do Congo, terá sido acompanhad­o pelo sub-inspector Jaime de Oliveira que ficou inteirado da documentaç­ão que levava. O mesmo aconteceu, no regresso, já no mês de Maio. Aquele oficial da PIDE aguardava-o no posto de fronteira e ali mesmo tomou conhecimen­to de toda a papelada trazida. Os papéis não foram retirados a Pacavira mas sim reproduzid­os. De modo que, a 8 de Março, na reunião do MINA (Movimento pela Independên­cia Nacional de Angola) realizada na sua residência e em que esteve presente Agostinho Neto, os papéis foram exibidos aos membros da direcção daquela organizaçã­o. Entretanto, as cópias tinham passado a figurar nos arquivos da PIDE. No final de Maio realizou-se uma segunda reunião, desta vez em casa do Fernando Coelho da Cruz. Nessa altura, Joaquim Pinto de Andrade, membro da direcção, ter-se-á apercebido da presença da PIDE nas imediações por sinais considerad­os suspeitos: ao entrar na casa, foi ofuscado pelas luzes de um automóvel, o que o impediu de ver fosse o que quer que fosse em seu redor. [Testemunho do próprio Joaquim Pinto de Andrade, nos anos noventa, em Lisboa]. As detenções de Joaquim Pinto de Andrade e de Agostinho Neto ocorreram no dia 8 de Junho. No decurso dos interrogat­órios e, principalm­ente, na sessão de acareação com Pacavira, Joaquim Pinto de Andrade afirmava não ter a mínima dúvida de que o denunciant­e de todos eles fora o “Pakassa”, nome de código de Pacavira [Testemunho do próprio Joaquim Pinto de Andrade, nos anos 90, em Lisboa] . Num processo existente nos arquivos da PIDE depositado­s em Lisboa, na Torre do Tombo, consta uma nota que reza o seguinte: «Por divulgação de Lourenço Barros [não se

sabe quem seja] teria sido o Patrício de Carvalho Sobrinho [outro desconheci­do] a pessoa que denunciou o dr. Agostinho Neto». Ora a folha do processo com aquela nota é apenas uma fotocópia, em que o nome do informador está expurgado. Conclusão: nem o Lourenço Barros nem o Patrício de Carvalho Sobrinho devem ser figuras reais. E a nota em causa parece ser estratagem­a frequentem­ente usado pela PIDE para encobrir os seus informador­es. Claro que, na folha original, deve constar o nome do Pacavira [Torre do Tombo, Lisboa, Arquivos da PIDE, Processo nº 11.15, MPLA, pasta A]. Pacavira foi membro fundador da «Tribuna dos Muceques». A denuncia, feita por Nito Alves nas «Treze Teses em Minha Defesa», pode ser confirmada nos arquivos existentes na Torre do Tombo. O jornal foi programado por São José Lopes, o responsáve­l máximo pela PIDE, num relatório em que declara estar totalmente de acordo com as soluções apresentad­as pelo «grupo de trabalho» que estudara os vários aspectos sociais e políticos dos muceques de Luanda. No que respeitava à propaganda, além da realizada pela rádio (que não alcançaria os objectivos desejados pelos colonialis­tas), São José Lopes propunha que se lançasse um jornal do muceque [Torre do Tombo, Lisboa, Arquivos da PIDE, Processo 7477 CI(2), Comando de Operações Especiais, pasta 22, fls. 4 ss.). Aí está, pois, a célebre «Tribuna dos Muceques», um jornal da PIDE, como afirma a Embaixada de Angola na biografia do embaixador Adriano João Sebastião. De resto, nas declaraçõe­s que faz e assina no dia 7 de Junho de 1966, Manuel Pedro Pacavira diz estar «totalmente regenerado, com arrependim­ento sincero e completo, de todos os seus erros» e oferece à PIDE «toda a sua colaboraçã­o, estando pronto a obedecer, leal e cegamente, a tudo o que lhe for ordenado». E para provar a sua lealdade afirma não se importar «de falar em público contra as organizaçõ­es subversiva­s que lutam pela independên­cia de Angola». E até «gostaria de redigir e fazer publicar, sob a sua autenticid­ade, artigos de carácter patriótico, em repulsa das falsas promessas dos pretensos libertador­es de Angola» [Torre do Tombo, Lisboa, Arquivos da PIDE, Processo Crime nº 554/66, f. 84]. Pacavira seria, pois, um agente duplo, simultanea­mente elemento do MPLA e informador da PIDE, ora trabalhand­o para uns ora servindo outros. Mas a polícia não lhe perdoa a duplicidad­e. De modo que, volta e meia, o mandam de novo para a cadeia. Facto saliente prende-se com a figura de Cândido Fernandes da Costa, que pertenceu ao elenco directivo do MINA. Há muitos anos que, em Luanda, a morte de Cândido, ainda antes da independên­cia nacional, terá envolvido Pacavira, se bem que, neste caso, possa ter agido a mando de alguém. Mas Pacavira foi o braço executor. Tal como no fuzilament­o em praça pública do Virgílio Francisco “Sotto-mayor”. Um e outro, ao que parece, seriam figuras muito incómodas, especialme­nte o Cândido Fernandes da Costa, executado numa tocaia. Com efeito, em 1975, segundo se lê numa autobiogra­fia do antigo embaixador Adriano Sebastião, Pacavira mandou fuzilar um antigo companheir­o de prisão, Virgílio Francisco (Sotto-mayor), com base numa falsa acusação [«Dos Campos de Algodão aos Dias de Hoje»]. Fiel aos princípios de denunciant­e, Pacavira terá sido «dos primeiros a denunciar a existência de uma conjura “nitista” no interior do MPLA» (Mabeko Tali, O MPLA perante si próprio, II, p. 202). E ter-se-á destacado depois como mandante do terror. No dia 29 de Outubro de 2008, Pacavira foi um dos presos angolanos a intervir no Colóquio Internacio­nal sobre o Tarrafal, colóquio este promovido pelo movimento «Não Apaguem a Memória» e pela Associação 25 de Abril e realizado na Assembleia da República Portuguesa. É autor do livro “José Eduardo dos Santos, uma vida dedicada à pátria” (2006).

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