Folha 8

QUANDO A BARRIGA ESTÁ (E ESTÁ QUASE SEMPRE) VAZIA…

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A crise no preço do pão em Angola, que disparou em poucas semanas, está a levar as famílias de Luanda a mudar o hábito do “mata-bicho” pelo início da manhã, agora com arroz e chá, para “aldrabar o estômago”. É que devido às alegadas dificuldad­es na importação de farinha de trigo, pela falta de divisas, o custo deste produto subiu em flecha, repercutin­do-se nos preços do pão. Um pão pequeno que antes custava à volta de 20 kwanzas chega a valer agora entre 70 a 100 kwanzas, enquanto um cassete, maior, passou para o dobro, 100 kwanzas. Além disso, é já costume formarem-se filas à porta destas padarias de bairro e mesmo nas grandes superfície­s. A tradição de “mata-bichar”, um pequeno-almoço que em Angola obriga a ter à mesa pelo menos pão com manteiga ou com omelete, está agora dificultad­a para famílias que já estavam a braços com o aumento generaliza­do dos preços de todos os restantes produtos. “Os meus filhos gostam mais é de pão com leite ou com chá. Quando você dá um ‘mata-bicho’ de arroz com lambula [sardinha maior] eles dizem que não ‘mata-bicharam’”, queixa-se Paula Marques, de 32 anos, a viver em Luanda. Comprava habitualme­nte, todos os dias, logo pela manhã, pelo menos dez pães, mas a subida de preço dos últimos dias já só permite levar cinco: “Não chega para nada. Eu só queria saber porque é que o trigo subiu desta forma”, questiona. Em média, o preço do saco de 50 quilos de farinha trigo disparou de pouco mais de 3000 kwanzas para quase 30.000, em menos de dois meses, com os fornecedor­es a alegarem dificuldad­es de importação, por falta de divisas tendo em conta a crise que Angola atravessa. António Bula, de 31 anos, recorda que gastava há poucas semanas à volta de 100 kwanzas em pão para o “mata-bicho” dos três filhos, quando hoje não chegam 300 kwanzas diários. “E não serve, por causa do preço, está muito caro”, afirma, admitindo que sem pão, resta o arroz seco com lambula e chá para começar o dia: “Estamos a sofrer muito”, lamenta. Fernando Paulo da Costa, de 29 anos, dá voltas para tentar explicar a subida dos preços e as dificuldad­es que enfrenta: “Foi subindo sem a gente perceber porquê”, diz. Mora em Luanda e compra um pão por 100 kwanzas, algo que a sua bolsa não permite: “Antes comprava dez só para o pequeno-almoço e agora apenas três ou quatro, mas não tem chegado para nada”. “Às vezes fazemos um arroz com chá, só para tentar aldrabar o estômago”, desabafa. Literalmen­te do outro lado do balcão está Alfa Amoro, nascido há 31 anos na Guiné-bissau e naturaliza­do angolano, actualment­e gerente de uma padaria de bairro, em Luanda. No seu pequeno negócio cada pão custa entre 70 a 200 kwanzas, o dobro desde Junho, aumentos que tenta explicar com o preço galopante da farinha de trigo. “Não sei, fico admirado com a subida do preço. Uma coisa que era 3000 subiu para 20.000 e tal”, conta. O negócio, admite, também já não é o mesmo, até porque os clientes – quer seja ao balcão ou para revenda na rua – começam a arranjar outras alternativ­as ao pão. “Antes tinha mais negócio, agora não”, afirma. Como exemplo refere a caixa de pão que as mulhe- res compravam na padaria para depois revenderem nas ruas, durante o dia, que ainda há poucas semanas custava 800 kwanzas. “Hoje tenho de vender por 2.800 kwanzas“, remata. Dos 13 produtos alimentare­s que constituem a cesta básica, a farinha de trigo foi a mais importado por Angola em 2016, ascendendo a quase 800 milhões de dólares.

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