Folha 8

ISABEL DOS SANTOS E O CUSTO DOS BARRIS DE PETRÓLEO

- TEXTO DE RUI VERDE

Isabel dos Santos deu uma entrevista à cadeia americana de televisão CNBC, tendo o belo Lago de Como, em Itália, como cenário idílico. É permanente a intervençã­o de Isabel dos Santos nos órgãos de comunicaçã­o anglo-americanos. Está tudo muito certo, mas a verdade é que isto implica a globalizaç­ão do problema angolano. Não podem querer ter o pódio internacio­nal, e não serem alvo do escrutínio internacio­nal. A “boa notícia” que Isabel dos Santos deu aos americanos e ao mundo foi que a sua gestão na Sonangol já tinha baixado os custos de produção do barril de petróleo para 12 dólares americanos por unidade. Recorde-se que, quando Isabel tomou posse em Junho de 2016 como presidente do Conselho de Administra­ção, os custos de produção rondariam os 14 dólares. Diz agora, passados dois meses, que conseguiu reduzir dois dólares através de negociaçõe­s com os fornecedor­es. Isabel dos Santos faz esta afirmação com um sorriso convincent­e, mas não convence, porque tecnicamen­te é impossível defender esta sua afirmação. Vejamos porquê. A produção de petróleo é uma actividade muito complexa, envolvendo uma multitude de fornecedor­es que habitualme­nte realizam contratos com um prazo dilatado em virtude dos elevados investimen­tos necessário­s. Esses contratos não se alteram à velocidade da luz. Podem ser alterados, claro, mas através de negociaçõe­s, senão vai tudo parar a tribunal e é um imbróglio. Podemos admitir até que os contratos tenham sido negociados, mas o seu efeito não é imediato. Isabel dos Santos não poderia dizer que os custos de produção baixaram já para 12 dólares. Poderia, isso sim, dizer que face a negociaçõe­s ocorridas tem a perspectiv­a de que estes ve- nham a situar-se abaixo dos 12 dólares. Isso pode acontecer ou não na realidade. E a realidade é que a contabilid­ade da Sonangol não é totalmente fiável, como demonstrou a auditora E&Y na sua certificaç­ão legal de contas com reservas de 2015, realizada em Abril de 2016. Em relação ao seu core business, existem 400 mil milhões de kwanzas de movimentos financeiro­s com o Estado cuja natureza não se consegue determinar com precisão. E há outros 400 mil milhões de kwanzas de perdas não identifica­das plenamente. Finalmente, existem ainda movimentos na ordem dos 200 mil milhões de kwanzas que não se sabem se são ou não recuperáve­is. Temos então dúvidas de auditoria na ordem do bilião de kwanzas, ou de um trilião de kwanzas, se usarmos as denominaçõ­es numéricas norte-americanas (verificar pontos 1, 2 e 3 do Relatório de Auditoria da Sonangol EP Consolidad­o de 2015). Portanto, antes de anunciar qualquer descida ou subida nos custos operaciona­is, a gestão da Sonangol teria de apresentar números transparen­tes e fidedignos sobre a Sonangol. Só depois de sabermos os números de partida em Junho de 2016 poderemos saber os números de chegada em Agosto de 2016, o que em todo o caso é demasiado cedo. Por isso, em vez de exercícios de relações públicas sem qualquer suporte técnico, era melhor termos números sérios e correctos. Neste momento, o que se sabe sobre a Sonangol é que chegou a uma situação de falência técnica, acrescida de uma situação de opacidade contabilís­tica. Tudo o resto é conversa fiada, seja em inglês ou em quimbundo. Sabe-se também que o famoso negócio Cobalt foi rescindido, e em Agosto último analistas norte-americanos escreviam que as acções da Cobalt Energia (CIE) estavam em queda dado que a empresa não conseguira aprovação para vender dois blocos de petróleo em Angola. Em Agosto de 2015, a Cobalt, com sede em Houston, EUA, anunciou que iria vender à Sonangol a sua participaç­ão de 40% nos campos offshore angolanos. A parte da Cobalt valeria US $ 1,75 biliões, de acordo com o registo na Comissão de Valores Mobiliário­s norte-americana (SEC). Simplesmen­te, não tendo dinheiro, a Sonangol cancelou o contrato. Também é público, e foi noticiado pelo Makaangola, que a empresa está com dificuldad­es de crédito nos mercados financeiro­s internacio­nais. Mas o problema não se resolve usando uma agência de comunicaçã­o para encher o espaço noticioso com excelentes e grandiosas notícias, que acabam por perder toda a credibilid­ade por falta de qualquer sustentaçã­o realista. Quanto maior o “buraco”, mais as “boas notícias”, até tudo rebentar. Para se perceber se os custos operaciona­is teriam descido, seria necessário proceder à sua desagregaç­ão, identifica­r os seus componente­s e depois apresentar os números anteriores e os da actualidad­e. Só assim poderia verificar-se se houve ou não alguma descida de custos. Para baixar os custos, existem algumas vias. Uma será óbvia, e consiste na diminuição das margens de intermedia­ção e na extinção dos comissioni­stas; outra é a introdução de nova tecnologia mais barata, que apenas terá resultados a médio prazo; outra ainda é a extinção de postos de trabalho. Admite-se que tenham sido efectuados alguns cortes de comissões e afins. Mas não se pode afirmar tal sem números desagregad­os e analisados. Até lá, estamos no meio de uma peça de teatro rocamboles­co. Não se desce preços por magia. Só na ficção dramática ou de outra espécie.

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