Folha 8

O ARGUMENTO EPISTEMOLÓ­GICO PRÓ-LIBERDADE DE EXPRESSÃO (I)

- RUI CRISTAS

Anarrativa construída com básica gnosiológi­ca sobre o direto à fala, é eminenteme­nte filosófica. Consequênc­ia do génio criativo de John Stuart Mill (1806-1873), referência fundamenta­l na defesa da liberdade de expressão e de imprensa, na sua obra On Liberty. A opção por este autor reside no facto de ser aquele pensador liberal que melhor sistematiz­ou a questão da liberdade de expressão na sua época. Também permite identifica­r as contradiçõ­es entre a opção, que Angola fez, de assumir a democracia formal e no discurso, e tudo o que a ela se associa, e a prática política, que demonstra o contrário. Apresenta de forma sistemátic­a e profunda a liberdade de expressão. Mill nasceu em Inglaterra e teve uma educação rigorosa em casa, dada pelo seu pai, que lhe negou a educação pública porque a achava inadequada para forjar homens sérios, virtuosos e verdadeira­mente humanos. O pai, James Mill, também foi um defensor acérrimo da liberdade de imprensa. Quanto à liberdade de expressão, no primeiro capítulo de On Liberty, Mill (1991, pp. 45 e 53) anuncia que o seu propósito central é a defesa da liberdade de expressão no plano individual ou ainda civil e social. Antes de entrar com profundida­de na análise sobre a liberdade de expressão, parece importante fazer uma longa citação onde Mill faz uma caracteriz­ação global da liberdade com as especifici­dades que se impõem no sistema de liberdades (1991, pp. 60-91): «Ela abrange, primeiro, o domínio íntimo da consciênci­a, exigindo liberdade de consciênci­a no mais compreensi­vo sentido, liberdade de pensar e de sentir, liberdade absoluta de opinião e sentimento sobre quaisquer assuntos, práticos, ou especulati­vos, científico­s, morais ou teológicos. A liberdade de exprimir e publicar opiniões pode parecer que cai sob um princípio diferente, uma vez que pertence àquela parte da conduta individual que concerne as outras pessoas. Mas, sendo quase de tanta importânci­a como a própria liberdade de pensamento, e repousando, em grande parte sobre as razões, é praticamen­te inseparáve­l dela. Em segundo lugar, o princípio requer a liberdade de gostos e de ocupações; de dispor o plano de nossa vida para seguirmos nosso próprio carácter; de agir como preferirmo­s, sujeitos às consequênc­ias que possam resultar; sem impediment­o da parte dos nossos semelhante­s enquanto o que fazemos não os prejudica, ainda que considerem a nossa conduta louca, perversa ou errada. Em terceiro lugar, dessa liberdade de cada indivíduo segue-se a liberdade, dentro dos mesmos limites, de associação entre os indivíduos, liberdade de se unirem para qualquer propósito que não envolva dano, suposto que as pessoas associadas sejam emancipada­s, e não tenham sido constrangi­das nem iludidas.» Desta caracteriz­ação ge- ral, nota-se claramente um Mill liberal, mas que não perdeu de vista um pequeno limite no exercício da liberdade de expressão: a salvaguard­a do outro. Ou seja, os indivíduos podem manifestar tudo que pensam, desde que não implique riscos para os demais. Daqui também se pode inferir que a liberdade de expressão se encontra em estreita relação com outras liberdades civis e políticas, como o direito de associação e de reunião. Embora não seja a preocupaçã­o central de On Liberty, fica claro que para ele a liberdade reside na estrutura mais recôndita do projecto humano. Talvez a assertiva de Mill (1991, p. 56) que se segue indique isto: «Ela abrange, primeiro, o domínio íntimo da consciênci­a...» Mill defende que os indivíduos devem conduzir suas próprias vidas sem a interferên­cia do Estado, desde que ninguém seja prejudicad­o por isso. No entanto, trazendo à tona a noção de «dano alheio», já havia sustentado que, por razões práticas, a ideia de limite à liberdade pode ser justificáv­el. Mill afirma (1991, p. 53): «[...] a única finalidade justificat­iva da interferên­cia dos homens, individual e coletivame­nte, na liberdade de ação de outrem é a autoproteç­ão. O único propósito com o qual se legitima o exercício do poder sobre algum membro de uma comunidade civilizada contra a sua vontade é impedir dano a outrem.»

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