Folha 8

GUTERRES NÃO PODERÁ TAPAR O SOL COM A PENEIRA

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Na sua última visita a Angola, António Guterres disse que, “por Angola estar envolvida em actividade­s internacio­nais extremamen­te relevantes, vejo-me na obrigação de transmitir pessoalmen­te essa pretensão às autoridade­s angolanas”. Pois é. Está até no Conselho de Segurança da ONU. E, pelos vistos, isso basta. O facto – repita-se todas as vezes que for preciso – de ter desde 1979 um Presidente da República nunca nominalmen­te eleito, de ser um dos países mais corruptos do mundo, de ser o país onde morrem mais crianças… é irrelevant­e. “Naturalmen­te como velho amigo deste país, senti que era meu dever, no momento em que anunciei a minha candidatur­a a secretário-geral das Nações Unidas, vir o mais depressa possível para poder transmitir essa intenção as autoridade­s angolanas”, sublinhou António Guterres. Guterres tem razão. É um velho amigo do regime. Mas confundir isso com ser amigo de Angola e dos angolanos é, mais ou menos, como confundir o Oceanário de Lisboa com o oceano Atlântico. Seja como for, confirmou-se que a bajulação continua a ser uma boa estratégia. Nesse sentido, António Guterres não se importa de continuar a considerar José Eduardo dos Santos como um ditador… bom. António Guterres, além de ter sido primeiro-ministro luso entre 1995 a 2002, exerceu o cargo de alto comissário da ONU para os Refugiados, durante os últimos dez anos. Anunciou a sua candidatur­a ao cargo de secretário-geral da ONU, em Fevereiro último. António Guterres sabe que todos os dias, a todas as horas, a todos os minutos há angolanos que morrem de barriga vazia e que 70% da população passa fome; António Guterres sabe que 45% das crianças angolanas sofrem de má nutrição crónica, e que uma em cada quatro (25%) morre antes de atingir os cinco anos; António Guterres sabe que no “ranking” que analisa a corrupção, Angola está entre os primeiros, tal como sabe que a dependênci­a sócio-económica a favores, privilégio­s e bens, ou seja, o cabritismo, é o método utilizado pelo MPLA para amordaçar os angolanos e que o silêncio de muitos, ou omissão, deve-se à coacção e às ameaças do partido que está no poder desde 1975. António Guterres também sabe que o acesso à boa educação, aos condomínio­s, ao capital accionista dos bancos e das seguradora­s, aos grandes negócios, às licitações dos blocos petrolífer­os, está limitado a um grupo muito restrito de famílias ligadas ao regime no poder. Mas também é evidente que António Guterres sabe que ser amigo de quem está no poder, mesmo que seja um ditador, vale muitos votos. Seja como for, António Guterres não deve gozar com a nossa chipala nem fazer de todos nós uns matumbos.

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