Folha 8

JEAN-CLAUDE BASTOS DE MORAIS: O VIGARISTA

No meu trabalho de investigar e expor actos de grande corrupção assim como de abusos dos direitos humanos em Angola, ser alvo de interrogat­órios pelo Serviço de Investigaç­ão Criminal (SIC) e pela Procurador­ia-geral da República (PGR) é uma rotina que cont

- TEXTO DE RAFAEL MARQUES DE MORAIS

Volta e meia alguém menciona, como “conselho” ou ameaça velada, que o regime tem sempre o poder da violência e pode resolver o problema pela lei da bala ou outro método fatal. Lá fora, nos países “ocidentais” e especifica­mente em Portugal, as pessoas surpreende­m-se pelo facto de a ditadura angolana não recorrer à violência (como fazem tantas outras ditaduras). Entretanto, foi com algum espanto que, no domingo passado, recebi uma notificaçã­o de Londres, do escritório da Schillings, relacionad­a com a minha recente investigaç­ão sobre a Caioporto S.A. e o artigo de Rui Verde “Zenú: Corrupção Mata”. “Como já é do conhecimen­to de V. Exa., atuamos em nome de Jean-claude Bastos, o qual é um accionista indirecto da Caioporto, S.A. e redigimos esta carta de acordo com o Protocolo de Acção Prévia por Difamação”, diz a notificaçã­o. Na sua peça, o Maka Angola esclareceu — e pode prová-lo em tribunal — que Jean-claude Bastos de Morais, o principal parceiro de negócios do filho do presidente José Eduardo dos Santos, José Filomeno, detém 99.9 por cento da quota da Caioporto S.A. A Schillings é uma firma que presta serviços na área da defesa da reputação e dispõe de advogados, especialis­tas em segurança cibernétic­a, analistas de inteligênc­ia e consultore­s de risco. Não se trata, portanto, do tradiciona­l escritório ou sociedade de advogados, mas de uma empresa sediada em Londres, Reino Unido, com múltiplas valências para defender reputações, entre as quais se incluem os serviços jurídicos. Esta empresa presta serviços a atletas promíscuos, personalid­ades dos média e políticos desesperad­os por manterem o seu mau comportame­nto fora da esfera pública. Esse escritório é uma primeira escolha para quem quer recorrer ao chamado “turismo judicial”. Este termo, cunhado pelo célebre advogado dos direitos humanos Geoffrey Robertson, designa a prática de instaurar um processo jurídico no Reino Unido relativo a casos de calúnia e difamação ocorridos noutros países, nomeadamen­te os Estados Unidos, porque a legislação inglesa oferece menos protecção a quem seja acusado de difamação. Ser ameaçado directamen­te a partir do exterior é uma novidade. Será que o general João Maria de Sousa, o zeloso procurador-geral da República, já não serve para defender a grande corrupção do regime? E como ficam o SIC e os reputados escritório­s de advogados angolanos que fazem a melhor defesa dos interesses do poder? Afinal de contas, este caso envolve o filho do presidente. Ademais, em Angola, Jean-claude Bastos de Morais usa convenient­emente a sua nacionalid­ade angolana, e não a suíça. Ele não é inglês, o Maka Angola não é inglês, o Rafael Marques de Morais não é inglês, o Zenú não é inglês. Ninguém vive na Inglaterra. Terem ido buscar uma empresa inglesa é de uma pomposidad­e, de uma arrogância que apenas revela o desprezo por Angola e pelos angolanos. O recurso à Schillings é uma forma de pressão intimidató­ria e antipatrió­tica. Jean-claude Bastos de Morais é um vigarista que se especializ­ou em usar as artimanhas das relações públicas e da comunicaçã­o para conferir um ar sofisticad­o à sua participaç­ão no saque de Angola, através do seu amigo e dependente José Filomeno dos Santos, o filho do presidente. Repito: Jean-claude Bastos de Morais é um vigarista. A Schillings exige que o Maka Angola remova “imediatame­nte os artigos e a sondagem do vosso site”, se comprometa “a não republicar as alegações”, a “publicar um pedido de desculpas no seu site (texto e termos a serem previament­e acordados com esta empresa [Schillings] esclarecen­do que Jean-claude Bastos não está a ser enriquecid­o indevidame­nte ou ilegalment­e pelo projeto do Porto de Caio”, a “compensar o nosso cliente pelos danos causados à sua reputação e negócios” e, finalmente, a “pagar os custos legais do nosso cliente”. A Schillings pede uma resposta até ao dia 27 de Março. O Maka Angola respondeu no dia seguinte, 20 de Março. A resposta às 23 páginas da notificaçã­o é curta: “Agradecemo­s a vossa mensagem e notamos que nada nos obriga ao vosso pedido de confidenci­alidade. Ver-nosemos em tribunal.” A notificaçã­o da Schillings alerta: “Privado e Confidenci­al” e “Não se destina a publicação”. Note-se que não estamos perante uma carta fechada, mas sim perante um e-mail. As menções “Privado e Confidenci­al” e “Não se destina a publicação” não estão acompanhad­as de qualquer garantia legal. A declaração de confidenci­alidade só obriga a entidade emitente e não a receptora, que a pode divulgar no exercício dos seus direitos.

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