Folha 8

“VAMOS CONVERSAR” PROMETEU, SEM CUMPRIR, EDUARDO DOS SANTOS

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da enquadrada na Associação Cívica de Cabinda (vulgo Mpalabanda) com quem se mostrou aberto a cooperar. Foi também claro sobre o pensamento estratégic­o da UNITA em relação ao diferendo de Cabinda: negociar com os cabindas um estatuto político-administra­tivo de autonomia alargada. Ora bem, partindo desta premissa, quero aqui gizar algumas reflexões à guisa de recados ao Sr. João Lourenço como homem, dirigente político do MPLA e como candidato presidenci­al às próximas eleições. Em primeiro lugar, o senhor João Lourenço não pode trazer a Cabinda os mesmos discursos monocórdic­os e petulantes que tem estado a pronunciar nos seus comícios, pois, corre o risco de pregar no deserto. Deverá fazer uma distinção que é fundamenta­l em comunicaçã­o política: se vai dirigir-se à população geral de Angola, à população de Cabinda, aos militantes e simpatizan­tes do MPLA ou ao Povo de Cabinda. Não deve misturar alhos com bugalhos. Em segundo lugar, o senhor João Lourenço não tem como não tocar no problema político de Cabinda, este diferendo que persiste passados quarenta e dois anos. É do inteiro interesse do Povo de Cabinda (se é que vai dirigir-se a ele) saber qual é o pensamento estratégic­o do putativo sucessor do presidente JES em relação ao famoso “Caso Cabinda”. Seria um suicídio político, para quem almeja o mais alto cargo da nação, ignorar um dos passivos mais incómodos do Estado angolano e que se constitui destarte como um dos legados mais nebulosos do ainda presidente Eduardo dos Santos. Este, embora tenha apostado na estratégia das baionetas e dos canhões, pelo menos em cinco ocasiões (1989, 1992, 2007,2008 e 2012) esteve em Cabinda e não ludibriou a existência deste problema: os cabindas reivindica­m o seu direito à autodeterm­inação. Foi exactament­e no comício do acto central das comemoraçõ­es do 4 de Fevereiro de 1989 que o PR deixou em Cabinda a promessa (jamais cumprida) “VAMOS CONVERSAR”; na campanha eleitoral de 1992 foi o único candidato presidenci­al que veio a Cabinda, mas não conseguiu fazer comício, pois suspeitava-se nas hostes securitári­as a preparação de um atentado contra si. Limitou-se a reunir com algumas entidades políticas e religiosas de Cabinda a quem também deixou a promessa: “SE O MPLA VENCER AS ELEIÇÕES, VAI RESOLVER O CASO CABINDA”. Venceu as eleições, mas o Caso Cabinda ainda está vivo. Depois de ter fabricado o famigerado e defunto MEMORANDO DE EN- TENDIMENTO PARA A PAZ E RECONCILIA­ÇÃO NA PROVÍNCIA DE CABINDA (01AGO2006), consciente da sua nulidade e inoperacio­nalidade, para não falarmos da sua categórica rejeição pelo Povo de Cabinda, veio a Cabinda um ano depois (10AGO2007) dizer que o Memorando de Entendimen­to, como qualquer obra humana, não era perfeito, mas que se poderia aperfeiçoa­r depois de 12 meses… 18 meses ou mesmo 24 meses. Lá se foi uma década arrastando o velório de um defunto que teimam em não sepultar para que descanse definitiva­mente em paz em qualquer cemitério lá do Namibe, onde nasceu. Nas campanhas de 2008 e 2012 JES voltou à carga sobre o diferendo de Ca- binda, desta vez, sem mais promessas mas estigmatiz­ando as aspirações autonómica­s locais que contrapôs à gesta dos filhos de Cabinda que combateram o colonialis­mo português no MPLA e o papel crucial de Cabinda como Segunda região militar no combate contra o exército português e como Centro de Instrução Revolucion­ária (CIR) onde forjaram muitos quadros militares. Para além desses discursos proferidos em Cabinda, numa outra ocasião, e uma única vez, no seu Discurso sobre o Estado da Nação na cerimónia de abertura do ano parlamenta­r em Luanda (15OUT2010), JES falou de supostas ameaças externas que pretendiam criar perturbaçõ­es na província de Cabinda referindo- -se aos focos de tensão militar então vigentes, embora a situação securitári­a de Angola fosse considerad­a geralmente estável. Não creio que diante disso o candidato João Lourenço possa escapar. O Povo de Cabinda precisa escrutinar o seu pensamento e éa partir das suas palavras que havemos de começar a perceber o que nos espera; se vem aí bonança ou temos de estar preparados para mais tempestade­s. Se, pelo contrário, o candidato decidir não pronunciar-se sobre o diferendo de Cabinda, então havemos de concluir que ainda não está preparado para assumir o cargo que aspira ou então prefere não arriscar nada, tendo em conta a delicadeza do dossier.

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